quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Coração agalopado


Final de ano e a cidade ganha cor de vermelho, verde, prata, ouro e urgência. Sacolas guardando carinhos, pacotes prometendo abraços, fitas desenhando laços e amores, gente se prometendo mudanças. Arquitetagem de sonhos. Ninguém parece ligar para as filas, as listas, o congestionamento, os pedintes, o cansaço da balconista, a fúria do manobrista. Um novo ano virá e, com ele, os planos a realizar: pintar a casa, trocar o carro, mudar de bairro, voltar a estudar, emagrecer, perdoar, viajar, parar de fumar, mandar o chefe praquele lugar. E em doses cavalares beijar, amar, trepar com urro, a pele amaciar e o peito destravar.

Vésperas do Natal, noite alta, corpo esparramado no sofá, o pé com bolhas após um dia de compras, toca o celular. Do outro lado, uma voz velha conhecida mas há muito distante. E aí, como vai? Viva o Orkut, finalmente nos achamos de novo. E as palavras jorram, se atropelam e se enovelam. Tanto pra falar, tantos acontecimentos desde então. Saudade braba, ninguém disfarça. Coração agalopado, o pensamento voa veloz rumo a um tempo sem tempo, um parêntesis blindando uma história guardada no arquivo das lembranças eternas. Impossível não delirar e desejar lá no fundo: será que agora vai ser diferente?

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Laura em outro livro


Amigos, fui convidada e orgulhosamente estou fazendo parte de uma outra antologia, agora no gênero ficção científica, e ao lado de escritores muito bacanas. Trata-se do Portal Fundação (Editora LGE). Aqui o texto de apresentação desse livro. Clicando aqui você lê o meu texto na integra. Adoraria merecer seu comentário.


P r o j e t o P o r t a l

A revista Portal Fundação - quarto número do Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira - traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia.

São vinte e seis narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, contatos imediatos do terceiro grau, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de dezesseis autores contemporâneos.

O Projeto Portal prevê seis números, com periodicidade semestral. Cada número homenageará, no título, uma obra célebre da ficção científica: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit.

Aviso importante: o projeto não se destina à comercialização. Os poucos exemplares da revista serão dados de presente aos leitores escolhidos pelos autores.

Os contistas do Portal Fundação são: Ataíde Tartari, Brontops Baruq, Giulia Moon, Laura Fuentes, Leandro Leite Leocadio, Luiz Bras, Luiz Roberto Guedes, Marco Antônio de Araújo Bueno, Maria Helena Bandeira, Martha Argel, Mustafá Ali Kanso, Ricardo Delfin, Richard Diegues, Roberto de Souza Causo, Roberto Melfra e Rodrigo Novaes de Almeida. (http://projeto-portal.blogspot.com)


sábado, 5 de dezembro de 2009

O amor e o tempo



Bem aventurados sejam aqueles de visão ampla que sempre vão um passo além. É o caso de Nelson de Oliveira, festejado escritor, professor e ensaista, que conseguiu fazer da sua tese de doutorado um livro capaz de ser apreciado por todo bom leitor.

Ele acaba de lançar o
Axis Mundi - O jogo de forças na lírica portuguesa contemporânea (Ateliê Editorial), no qual analisa e compara a obra de dez poetas contemporâneos, a maioria desconhecida dos brasileiros. Só três deles têm suas obras editadas aqui. Dez autores, segundo Nelson, que produziram o que de melhor se publicou em Portugal do final do século passado ao início deste.

Amo a lírica portuguesa, e já conhecia o trabalho de alguns deles, como Adilia Lopes (maravilhosa) e Gonçalo Tavares. De modo que foi uma delicia seguir o raciocínio de Nelson na análise desses poetas, classificando-os numa espiral que vai da lírica de superfície à lírica mais subterrânea, termos que ele cunhou e que, certamente servirá de base para os estudos daqui para a frente.

Mas um desses poetas em especial me chamou a atenção. Reproduzo aqui um poema que ficou enrodilhado em mim, tamanho impacto. Espero que você o aprecie tanto quanto eu.

Explicação da eternidade
(de José Luís Peixoto, 2002)

devagar o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se

em tempo.


os assuntos que julgamos mais profundos,

mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,

transformam-se devagar em tempo.


por si só o tempo não é nada.

a idade de nada é nada.

a eternidade não existe.

no entanto a eternidade existe.


os instantes dos teus olhos parados em mim eram eternos.

os instantes do teu sorriso eram eternos.

os instantes do teu corpo de luz eram eternos.


você foi eterna até o fim.

Para Nelson "o discurso de Peixoto passa da natureza redutora do próprio tempo para o comentário sobre essa mulher que "foi eterna até o fim", paradoxo delicado mas eloquente, que lembra muito a célebre chave de ouro do soneto de Vinícius de Moraes, sobre o amor: "que ele seja infinito enquanto dure" (
Soneto da Fidelidade). De qualquer forma, tanto o "poetinha" como Peixoto falaram o mesmo, cada um a seu modo, que o amor pode sim ser eterno. Vou morrer acreditando nisso. E você?

(*) First Love, trabalho do ilustrador e artista plástico norteamericano Norman Rockwell.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Mar vivo de corações expostos


O domingo que encerrava o feriadão amanheceu nublado, chuvoso, um convite para ficar em casa curtindo preguiça. No entanto a primavera paulistana fervilhava de eventos culturais. Mas quem optou por visitar a Balada Literária organizada pelo escritor Marcelino Freire certamente acertou.

Era o dia da homenagem à escritora Lygia Fagundes Teles, bela e classuda aos 86 anos, tarde quente de temperatura e afetos. Sua presença ampliou e elevou a média etária do público, atraindo tanto seus fãs de décadas como jovens sedentos em vê-la de perto. Perguntada sobre o futuro da sua obra, ela afirmou que isso é questão dos herdeiros, no seu caso, as duas netas que cuidarão do seu legado quando for a hora.

A questão tirou por instantes o brilho daquele olhar. Para onde terá ido no breve momento? Será que Lygia se referia aos dois maridos falecidos (Gofredo da Silva Teles e João Paulo Salles Gomes)? Haveria revolta por eles terem-se ido antes dela? De qual dos companheiros sentiría mais saudade? Mas logo explicou que se referia aos colegas que deixaram este plano ao dizer com palavras acinzentadas “é um mar morto de escritores”. Melancolia que corrigiu imediatamente ao afirmar, matreira, “mas vocês fiquem tranqüilos, viu? Apesar de estar com as pernas fracas (referindo-se à fratura recente e à necessidade da bengala) espero ainda viver muito”, seguido de um sorriso cativante, meio que a garantir que ainda vai continuar brincando o eterno joguinho das palavras e ideias.

Como da mesa fazia parte Benjamin Moser, o norte-americano que escreveu a biografia de Clarice Lispector, foi inevitável ela relembrar a escriba prematuramente falecida aos 57 anos, e dividir com a platéia detalhes dos encontros com a amiga “perto demais do coração selvagem” que ocorreram em viagens de eventos literários.

Lembrou carinhosamente das falhas de dicção da colega ucraniana/ brasileira, o que ela chama de “língua presa”, e se divertiu em revelar as recomendações que Clarice sempre lhe fazia. Por exemplo, “Lygia, tirrre esses vincos da testa e vista brrranco parrra conseguirrr leveza”. Daí a camisa branca por baixo do blaser, singela homenagem à amiga.

E assim, num descortinar informal, Lygia foi deleitando o público com memórias da sua juventude de moça humilde que publicou, aos 15 anos, o primeiro livro de contos patrocinado pelo pai. Falou do emprego no Departamento Agrícola do Estado de São Paulo que rendia o salário de 400 mil réis dividido com a mãe recentemente separada do pai. O restante do tempo e do dinheiro eram destinados para os dois cursos que fazia simultaneamente: Educação Física e Direito.

Contou que Clarice, sempre irreverente, nunca se conformou com sua vida de mulher certinha, que nunca teve um amante, por exemplo. “Não houve tempo, fiquei viúva cedo e logo me casei de novo”, desculpava-se. Lygia com a amiga. Clarice também não compreendia o interesse na atividade física. “Foi um esforço enorme fazer os dois cursos paralelamente, mas eu acredito mesmo que toda moça deve exercitar o corpo com a natação, a ginástica e os jogos”.

Lygia encantava-se com os esportes de competição. E foi bem nessa hora, ao se lembrar das orientações do mestre nas aulas de esgrima que ela mostrou a sua porção poeta. Nos treinos, o professor dizia “Menina, proteja-se, seu coração está exposto”. Ao que ela completou, “não adiantou nada o que ele me ensinou, pois meu coração continua exposto, até hoje”.

Felizmente para nós, seus leitores. E mais ainda para todos os privilegiados que tiveram a oportunidade de vê-la de perto na sua elegância bem humorada. Um mar vivo de corações tão expostos como o daquela dama na tarde de um domingo prá lá de especial.

(*) Foto de Fernanda Grigolin para a Balada Literária

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Armada



Hoje acordei pouco verso, mais canção. Por isso coloco esta música da Stela Campos que traduz tudo o que gostaria de dizer neste momento. Cantora e compositora nascida em São Paulo, há muito mudou-se para Recife, e finalmente, depois de muito batalhar, agora vem encontrando seu espaço na cena musical.

Os personagens de suas narrativas musicais são urbanos e meio marginais: motoboys, corretores decadentes, operadores da bolsa, desempregados, publicitários solitários, dependentes químicos e toda a sorte de almas perdidas. Bem que o saudoso Chico Science carinhosamente a chamava de "nossa Billie Holliday de garagem!.

Aqui a letra desta canção absolutamente psicodélica.

Olhando pra trás / sumindo no chão / fechando as portas / na alta estação
Laura te espera com uma arma na mão

As horas passam / na contra-mão / os olhos giram / sem direção
Laura te espera com uma arma na mão

domingo, 11 de outubro de 2009

Solte sua imaginação


É bom demais remexer as idéias e tentar traduzi-las em palavras. Brinco disso desde criança, e talvez por isso eu sempre esteja estudando para tentar fazer isso cada vez melhor. Atualmente curso uma segunda pós-graduação em Criação Literária e, dia destes, um de nossos mestres, o grande Edson Cruz, fundador e editor do Site Cronópios, nos propôs um exercício de amplificação. Para tanto, pediu que aumentássemos "O dinossauro", do guatemalteco Augusto Moterroso, considerado o menor conto da literatura mundial, e uma das suas obras mais célebres. Aqui o conto:

"Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá".
É incrível como com tão poucas palavras ele consegue dizer tanto e abrir um universo inteiro de possibilidades na cabeça do leitor.

Agora eu gostaria de desafiar você, leitor, para também brincar de aumentar esse texto, de acordo com os sentimentos que ele gerou em você, com um máximo de 150 toques (ou até 25 palavras). Vou adorar ter a sua colaboração aqui no espaço para comentários. E eu garanto, é super divertido, porque cada um segue uma direção completamente diferente.

E então, quer brincar comigo disso? Sugiro que você primeiro faça o seu texto, poste em forma de comentário, e só então leia o final que eu criei durante a aula. Aqui então, o meu final da história.

"Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá. Presente ridículo, pelúcia balofa ocupando na cama o lugar que foi dele, pensou ela, planejando sair logo para providenciar a troca da fechadura".


(*) "Matrix", trabalho do instigante artista mexicano Octavio O' Campo, que mistura imagens criando novas sensações, colocado aqui justamente para ajudar você a soltar a imaginação.
(**) Se tiver um tempinho, clique lá encima no link do Monterroso, e leia alguns contos desse grande escritor. Vale à pena.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Born to be


Li recentemente uma entrevista em que o escritor Terry Pratchett soltou uma de suas frases bombásticas:

"A luz acha que é a mais rápida do universo,
mas não importa o quão rápida ela seja,
a escuridão está sempre lá antes dela" .


Parece negativo, não? Embora seja um autor irônico e até bem humorado, isso reforça que cabe a cada um de nós escolher de que ângulo quer ver as coisas: a velha história do copo meio cheio ou meio vazio.
Essa reflexão me levou a escrever o texto abaixo, inspirado num post-desabafo da jornalista Marli Gonçalves em seu blogue, uma das pessoas mais alto astral que conheço (e admiro) e que, vez por outra, como é humana, também se irrita.



Ela era fascinante! Ser feliz era sua sina, e disso jamais desistia. E sem a mínima culpa procurava alegria de lupa. Vocação para a leveza, diziam alguns. Pouca exigência, acusavam outros que a chamavam (pelas costas, claro) de Poliana, Barbie, Chapeuzinho, Querubim.
Nem aí para o que pensassem, ela seguia vivendo segundo sua opção de preferir a luz nem dando bola às tantas interpretações.
Aprendeu a lidar com as tristezas, gastar energia só para resolver o necessário, lixar da vida as asperezas, optando por se concentrar mais no que esta lhe trazia de bom, de positivo.
E, leve, seguia feliceando vida afora, deliciosamente produtiva e confundente e, por isso mesmo, incomodando a muitos.
Até que um dia, a pressão foi demais, e ela acordou de mau humor, revoltada por ter que lidar com tantos contratempos. Afinal, ela vivia no Brasil, o que explica tudo.
Ninguém soube explicar o que aconteceu, nem ela mesma. O pior é que o seu estouro não foi levado a sério. Para a maioria, quem aprendeu a sorrir e escolheu essa expressão para
se representar não tem problema algum. E mais uma vez ela se viu só.

sábado, 19 de setembro de 2009

Um gostar distraído


Tarcísio gostava de Dinah. Não era por causa do seu jeito indireto, quase perpendicular de olhar. Não era pelos gestos contidos, pensados. Nem pelo jeito casual de se vestir. Mas talvez pelo que de sedutor ela escondia com a timidez, a cabeça baixa, a fala num fio, quase sussurrada, parecendo sempre meio assustada.


Gosto não se discute, e Tarcísio nem tentou descobrir a razão dessa atração absurda, nexo algum aparente. Foi-se apenas deixando levar pela garota de passos leves, que à sua maneira oscilante, ia-o conduzindo cada dia mais para dentro de seu mundo muito particular. E, como a maioria dos homens sofre de retardo emocional, Tarcísio não fugia à regra, por isso nem percebeu quando foi que aquele gostar cresceu a ponto de não conseguir mais nomear.


Já Dinah, ah a Dinah... por debaixo da aparência calma, do jeito meio sem jeito, essa sabia o que queria, e esse querer tinha um nome: Tarcísio. Sem os pendores próprios da beleza, ela tratou de cedo alimentar outros atributos bastante especiais, ainda que pouco valorizados: o ouvido, a compaixão, a paciência, a emoção sempre latente. Cercava-se de saberes e vivia rodeada de livros, por isso sempre tinha o que acrescentar ou forma de confortar a quem quer que precisasse ser escutado com atenção e carinho.


Quando conheceu Tarcísio, algo de muito estranho aconteceu. Era o homem de seu destino, mesmo que à primeira vista lhe parecesse um sonho absurdamente distante. E, como o Universo conspira a favor dos que desejam de forma tão arrebatada, ele foi se achegando e se envolvendo ainda que distraído. Dinah bem sabia que para ele era tudo apenas curiosidade. Por isso teve que aprender a desenvolver a calma, e não perder o controle com os esquecimentos, as traições e as dissimulações. Teve que aprender a fingir, e isso não era da sua natureza.


Enquanto isso, sem se aperceber, Tarcísio estava sendo enredado. Certo do domínio da situação e a porta de saída sempre aberta, ele abusava. Magoou tanto Dinah que, um dia, ela não aguentou mais e trancou as entradas. Bem que ele tentou se desculpar, prometeu até mudar. Descaso, para ela, era imperdoável. Era justo esse o seu limite.


Dizem que até hoje Tarcisio lamenta a perda daquela que nada lhe cobrou, muito lhe deu, a única que o fez feliz embora ele tenha custado a notar. Já Dinah, mesmo sofrendo a perda, seguiu o seu caminho.


E muitos não compreenderam quando, logo depois, ela começou a circular com Domingos, seu colega da faculdade. Tão tímido quanto ela, nada atraente, mas gentil e delicado, o rapaz foi seu abrigo e seu apoio naquelas horas difíceis. Ela até parecia mais bonita e segura de sí. Ficaram juntos por um tempo, fizeram planos. Até que o olhar enviesado de Dinah cruzou com o de Marcel, campeão de esporte, o gostosão da hora e só aberto a relacionamentos de superfície. E, de novo, ela caiu no conto do Homem de seu Destino. Tem gente que não aprende.


(*) " A menina no espelho", de Norman Rockwell, pintor e ilustrador norte-americano.

(**) Vai bem também ouvindo Maria Bethânia cantando "Grito de Alerta", de Gonzaguinha. Clique aqui.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Amor eterno


Logo cedo li a notícia que hoje, dia 09/09/09, há dezenas de milhares de jovens chineses se casando porque o número 999 na China significa longevidade e amor eterno. E no mundo todo está acontecendo agora uma imensa onda de casamentos. Bonito isso, não? Uma esperança. Existirá mesmo o amor eterno? Amor de amigo? Amor de amor? Amor universal?

É que a numerologia vê nesta data um momento de encerramento de ciclos, meditação e caridade. Dia de aprender a deixar de lado o que nos faz mal para podermos crescer.
Para os estudiosos, o número nove representa o fim de um ciclo e o encontro do equilíbrio das emoções.

Quem nasce em 9 de setembro tem como missão levar o bem para uma grande quantidade de gente. Devem ser pessoas especiais, com certeza.


(*) O Casamento Chinês ou Double Happiness, colagem da jornalista e artista plástica Paula Dipp, que acaba de lançar o livro Prá sempre teu, Caio F, falando de sua amizade de muitos anos com o escritor Caio Fernando Abreu, este também um belo caso de amor eterno.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Tantas



Tem dias

que desperto

poesia

um acorde

uma harmonia

leve como um sopro

quase um bafejo

e me deixo levar


Tem dias

que acordo

do avesso,

a pá virada

venta arrepiada

puro atropelo

cheia de quereres

e razão.


E tem dias

que a aurora

me liberta

a serpente

mitológica

deslizante,

sinuosa

ardendo

em chama

meio gótica

dentro do lençol.

Quando isso acontece,

eu não respondo por mim.


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O pequeno pardal



Eu não devo ser normal. Ponto. Tenho absoluta fixação em algumas personagens trágicas. Edith Piaf é uma delas. E me emociono toda vez que ouço aquela voz ardida saída de um coração sangrando no corpinho miúdo entupido de álcool e morfina, sempre pronto a se arriscar de novo no amor. Leio, ouço e pesquiso tudo a respeito dessa mulher cujo sobrenome artístico quer dizer “pardalzinhol”. De fato, cantando ela sempre parecia um passarinho mirrado lutando para se manter no microfone, embora a voz tivesse a potência da sua dor.


Ela me veio à mente agora, porque acabo de receber um e-mail com um link de youtube intitulado “Edith Piaf – mãe e filha”, com um dueto virtual da cantora Isabelle Boulay com ela cantando “Non, je ne regrette rien” (traduzindo, meio que “Não, eu não me arrependo de nada”). É lindo de ver e ouvir. Se quiser conferir, clique aqui.

Mas, na verdade é tudo um engano. Edith Piaf nasceu em 1915 e, em sua vida conturbada, teve uma única filha, Marcelle, que morreu aos 2 anos vitima de fome, abandono e meningite. Edith morreu em 1963 aos 47 anos, mais de vinte anos portanto antes de nascer a linda e talentosa Isabelle Boulay em Quebec, no Canadá.


Pieguice das pessoas em logo achar que ambas eram mãe e filha? Talvez. Mas valeu, porque fez meu coração passarinho voar um pouco nesta manhã onde o sol teima em aparecer e ficar.

Aqui a letra e tradução dessa pérola musical.


Non, Je Ne Regrette Rien (Michel Vacucaire/ Charles Dumont)
Não! Eu não lamento nada...


Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien

Não! Nada de nada...Não! Eu não lamento nada...

Ni Le Bien Qu`on M`a Fait, Ni Le Mal

Nem o bem que me fizeram, nem o mal

Tout Ca M`est Bien Egal

isso tudo me é igual!

Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien

Não, nada de nada...Não! Eu não lamento nada...

C`est Paye, Balaye, Oublie, Je Me Fous Du Passe

Está pago, varrido, esquecido, Não me importa o passado!

Avec Mes Souvenirs J`ai Allume Le Feu

Com minhas lembranças, acendi o fogo

Mes Shagrins, Mes Plaisirs,

Minhas mágoas, meus prazeres

Je N`ai Plus Besoin D`eux

Não preciso mais deles!

Balaye Les Amours Avec Leurs Tremolos

Varridos os amores, E todos os seus tremores

Balaye Pour Toujours

Varridos para sempre

Je Reparas A Zero

Recomeço do zero.

Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien

Não! Nada de nada...Não! Não lamento nada...!

Ni Le Bien Qu`on M`a Fait, Ni Le Mal

Nem o bem que me fizeram, nem o mal

Tout Ca M`est Bien Egal

isso tudo me é bem igual!

Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien

Não! Nada de nada...Não! Não lamento nada...

Car Ma Vie, Car Me Joies

Pois, minha vida, pois, minhas alegrias

Aujourd`hui Ca Commence Avec Toi

Hoje, começam com você!

sábado, 8 de agosto de 2009

Emborcada




Em noite clara
a mulher loba
uiva prá lua

como gata

vira lata

no muro
e vira de bruço






(*) "O Gato", óleo sobre tela de Aldemir Martins

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Conjugando o verbo


Eu vacilo
Tu vacilas
Ela vacila
Quando um de nós vai tomar uma atitude?


(*) óleo de Toulouse-Lautrec (1864-1901)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A grande luta


O tempo anda de mal comigo, vira as costas prá mim, e me apressa.
Sem ter como postar um conto ou poesia, resolvo colocar uma frase de um dos grandes mestres.
Uma ajudinha para os amigos que, como eu, vivem lutando com as letras, as ideias e os vacilos.


"No combate entre um texto apaixonante e seu leitor, o romance ganha sempre por pontos, enquanto o conto deve ganhar por nocaute"

Julio Cortázar (1914-1984), escritor argentino, autor de Histórias de Cronópios e de Famas

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Tudo tem conserto

Para mulheres de coração partido, recomenda-se cola à base de esperma... e novidade.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Liberdade de errar

Estou praticamente concluindo este mês a pós graduação "Formação de Escritor", coordenado pelo mestre Gabriel Perissé. Sempre entro no blogue dele, e lá bebo muito conhecimento. Como este texto dele sobre o poeta Paulo Leminsky que ele fez para a revista Educação. Reproduzo-o aqui (de forma reduzida). Ele certamente atingirá em cheio todos aqueles que lidam, brigam e amam a palavra, mas sobretudo todos aqueles que não têm medo de arriscar, nas letras e na vida:

"Neste mês de junho de 2009 lembramos os 20 anos de falecimento do paranaense Paulo Leminski (1944-1989), um dos mais ousados escritores brasileiros do século passado (...) No poema "Erra uma vez", de La vie en close (1991), livro póstumo, o poeta declarou:

nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez

Para além do trocadilho, o artista da palavra encara o erro como elemento do jogo verbal. Por isso não teme duplicar o "r", errar mais de uma vez. Por isso brinca com o erro e nele se inspira. Porque somente o erro tem vez. Não teme repetir o erro até que vejamos a importância do fazer e do descobrir. A certeza de que errar é humano deixa de ser uma lamúria, torna-se afirmação alegre da nossa condição. Somente errando é que se aprende. Mas o poeta diz mais: é o próprio erro que deve aprender o seu lugar nessa história, na história do nosso aprendizado."


Bacana, né? Se você quiser ver o artigo inteiro, clique
aqui. Só para os assinantes Uol.



sábado, 6 de junho de 2009

Lançado, o Blablablogue segue seu caminho

Ainda não me recuperei do mix de emoções que foi o lançamento do Blablablogue- Crônicas & Confissões, no último sábado, dois dias após eu mudar para um apê ainda em reforma. Naquelas horas deliciosas, até me esqueci da poeira, do verniz, da vida provisoriamente em caixas de papelão, do exercício de memória que é encontrar cada coisa, e só sobrou espaço para o afeto.

Só agora que tudo vai voltando ao normal, é que consigo sentar prá dizer que foi bom demais ter por perto Artur, mais que filho, um companheirão, e os amigos que amo tanto. Anna, Maria Rosa (mais Daniel) e Sandra (parceiras de todas as horas), minha quase irmã Maria Inês (avec Zé Nogueira), a sobrinha Bruna (com Marcio, nosso Dudu-delícia e o Seu Benê), Piu, as queridas Helô, Eliana Calheiros, Cynthia, Laila, Rose, comadre Sonia e Beth (que vieram de longe), Rossana (carioca e mais nova paulistana), Idathy (e Celso), Lili (e Marco & o fofo do Rick Boy), Giovanna, Joana, Yara, Lavínia, Maíra, Cristina (astróloga), mais Rosely e Selma (do tempo do ginásio), além de Marisa Moura, Tiago e Jürgen, amigos novos e já entrando "na diretoria".

Lá também os companheiros de letras, jornadas e afetos Wladyr Nader, Y.Daniel, Chantal Brissac, Pat Prensada, Kiko Ferraz), Vicentini Gomez, e o pessoal da pós, Teca, Claudia, Cris Rogério (e o fofo Ricardo), Nelson, João e Paty (com sua mãe lindinha). Bom demais rever os queridos Valdeci Verdelho, Daniel Faleiros, Antoune e Edmilson.


Foi tanta gente, que já me desculpo caso tenha esquecido alguém. Agradeço também àqueles que só puderam mandar seu axé de longe, como o Petê Rissatti, companheiro no livro, mas em viagem pela Alemanha. Mas garanto que as flores lindas que Débora, Jackson e Maurício que me deram, além de alegrar a nova casa e o espírito, serão um belo jeito de lembrar do amor de todos vocês e daquela estréia tão especial.

Nelson, quero te agradecer pela oportunidade e a honra de estar ao lado de escritores tão competentes. Só lamento não ter tido como papear com todos, tanto o agito. Mas não vai faltar oportunidade da gente se conhecer melhor e trocar afagos e ideias. Bom, o livro foi lançado. Agora é torcer para que ele encante leitores e livreiros Brasil afora.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Contos de blogue agora em livro


Pessoal, está chegando o dia do lançamento do Blablablogue - Crônicas & Confissões, antologia que reúne 21 autores de contos de blogues, quando estrearei em livro e ao lado de autores bem conhecidos e dos quais sou fã há muito tempo. Agradeço por todo o apoio, acompanhamento, críticas e elogios que recebi de vocês desde que inaugurei este blog, há pouco mais de um ano. Sem isso, não teria como chegar até aqui. Estou muito feliz, e adoraria compartilhar com vocês um pouco desse estado de espírito no dia do lançamento.
Apareçam! Vou adorar receber o abraço de cada um de vocês no sábado 30 de maio (vejam convite acima)

Para explicar melhor do que trata esse livro, nada melhor do que o texto do Nelson de Oliveira, o organizador da antologia.

A palavra é febre.

Quem pegou o início desse fenômeno de comunicação que em pouco tempo se tornou a blogosfera sentiu em primeira mão um tipo diferente de febre. A febre da liberdade digital. Da democratização da palavra escrita.

Essa febre, essa excitação, essa compulsão é tão contagiante que, uma década depois, o número de blogues no ciberespaço tem crescido de forma exponencial. Atualmente existem perto de 140 milhões de blogues e cerca de 120 mil são criados diariamente (1,4 por segundo).

A maioria das pessoas utiliza os blogues como um diário pessoal, porém eles podem veicular qualquer tipo de conteúdo e ser usados para os mais diversos fins: artísticos, jornalísticos, científicos, políticos, religiosos, corporativos, comerciais etc. A blogosfera ampliou o mundo natural, social e mental.

Como eu disse, a palavra é febre. Muitos a amam, muitos a odeiam. É verdade: tem gente que passa várias horas diárias cultivando seu espaço virtual. Mas tem gente que detesta a cultura blogueira.

Além da possibilidade de interação quase instantânea com os visitantes, a grande diferença entre os blogues e a mídia tradicional, impressa, é a velocidade. Um artigo que levaria horas, dias ou semanas para ser publicado numa revista de papel pode estar disponível em poucos segundos para a leitura num blogue.

O critério usado na seleção dos blogueiros cujos posts compõem este livro foi o mais subjetivo possível: meu gosto pessoal. Por ser escritor, eu preferi ceder a essa inclinação e ficar na deliciosa esfera da crônica e da confissão literária.

Os vinte e um blogueiros convidados para participar desta antologia são todos escritores: onze veteranos de prestígio reconhecido, com livros já publicados, e dez bons estreantes a caminho do reconhecimento. A cada um deles eu pedi que selecionasse os melhores posts publicados nos respectivos blogues.

O resultado: dezenas de crônicas e confissões de escritores deliciosamente febris.

Nelson de Oliveira

Nelson de Oliveira nasceu em 1966, em Guaíra (SP). É professor universitário, editor e autor dos livros Ódio sustenido (Língua Geral, 2007), Algum lugar em parte alguma (Record, 2006), A maldição do macho (Record, 2002) e Subsolo infinito (Companhia das Letras, 2000), entre outros. Dos prêmios que recebeu destacam-se o Casa de las Américas, o da Fundação Cultural da Bahia, duas vezes o da APCA e o da Fundação Biblioteca Nacional. Atualmente coordena, em diversas instituições, oficinas de criação literária para autores em início de carreira.


sexta-feira, 1 de maio de 2009

Marcas na pele

A massa se move no firmamento num vôo largado, num sono de morte que se repete desde tempos imemoriais. Sem destino nem esperança, como nave de um corpo só ela vaga pela imensidão utilizando apenas seus sensores em busca de um pouso que lhe dê alguma paz e o alimento vital. Até que sente uma suave vibração vinda de um ponto especial embaixo dela. Leve, mas o suficiente para que seus sentidos aguçados lhe indiquem o caminho, e então se deixa cair.

Quando dá por si, está numa rua erma de uma cidade qualquer, que se divide em casas de alto padrão de um lado e um condomínio de luxo do outro. Em suas bunker-guaritas, os seguranças estranham a mulher que surge de repente, mas logo desviam a atenção. Imaginam que deva ser alguma visita saindo de uma das residências, pela forma como se veste e anda.

A tarde mergulha na noite, levando com ela os derradeiros traços púrpura de um céu onde a lua começa a se impor. Embora o último fio de claridade fira seus olhos, nada é novo para essa mulher de existência trágica e solidão sem fim. Mais um vôo, mais um pouso e a certeza de que Lucius, o maldito, logo virá em seu encalço. Mas desta vez sente algo diferente, não sabe precisar o quê.

Comandada apenas pelos instintos, ela se aproxima do ponto exato que a atraiu: uma janela no segundo andar de um casarão branco. Em segundos, Aurélia se vê lá dentro, invisível a olhos humanos. É um quarto de rapaz, que cochila sobre os livros. Do computador ligado sai música agitada, percussiva. Ele acorda como que pressentindo algo, olha para trás aparentemente incomodado, mas logo decide esticar o corpo na cama, vestindo apenas uma bermuda justa. Aurélia aproveita para observar o garoto num sono à solta, barriga para cima, braços cruzados sob a cabeça, um pé apoiado em ângulo sobre a outra perna dobrada, totalmente relaxado.

É a mais pura beleza em pele bronzeada, músculos precisamente definidos. Não deve ter mais que 17 anos. Sua vontade é pular sobre ele e sugar sua vida, mas Aurélia se contém. Para ela só vale se for consentido, nem que a sedução seja trabalhosa. Com esse propósito, vaga pelo quarto em busca de dados sobre a presa. Pelos livros na escrivaninha, descobre que está no cursinho e se prepara para o vestibular de Odontologia. Pelas fotos, vê que é de família abastada, viaja bastante, tem um irmão mais velho, uma irmãzinha pequena e muitos amigos.


Quer saber como essa história termina? Clique aqui para ver o desenrolar dessa trama .

(*) Texto feito em parceria Laura Fuentes & Petê Rissati, do Vermelho Carne

terça-feira, 21 de abril de 2009

As russas de agora

A notícia abaixo saiu recentemente na seção Mundo Bizaro, do site G1, e é totalmente desconcertante por quebrar todos os paradigmas. Ela mostra o quanto o mulher vem mudando. E quer saber? eu adorei. E você, o que pensa a respeito?

Cabelereira transforma assaltante em escravo sexual na Rússia

Um estranho caso de assalto e estupro envolvendo um criminoso e uma cabeleireira está mobilizando a polícia russa.

Segundo o site "Life.ru", uma cabeleireira de 28 anos identificada como Olga teve o salão invadido por um assaltante na terça-feira (14). Ela, que é treinada em artes marciais, conseguiu render o homem de 32 anos, identificado como Viktor, e levou-o para uma sala reservada.

Olga teria usado um secador de cabelo para render o assaltante, e acabou prendendo-o, mas não chamou a polícia. Ela teria obrigado o criminoso a tomar o estimulante sexual Viagra, para depois abusar dele por diversas vezes, durante os dois dias seguintes.

Depois de ser libertado, Viktor foi ao hospital para curar seu órgão sexual "contundido", e depois registrou queixa contra Olga. No dia seguinte, foi a vez de Olga registrar queixa contra Viktor por assalto.

A história fica ainda mais confusa, segundo o "Life.ru", porque a polícia não tem certeza de quem é o verdadeiro criminoso nesse caso de assalto que terminou em "estupro".