quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Born to be


Li recentemente uma entrevista em que o escritor Terry Pratchett soltou uma de suas frases bombásticas:

"A luz acha que é a mais rápida do universo,
mas não importa o quão rápida ela seja,
a escuridão está sempre lá antes dela" .


Parece negativo, não? Embora seja um autor irônico e até bem humorado, isso reforça que cabe a cada um de nós escolher de que ângulo quer ver as coisas: a velha história do copo meio cheio ou meio vazio.
Essa reflexão me levou a escrever o texto abaixo, inspirado num post-desabafo da jornalista Marli Gonçalves em seu blogue, uma das pessoas mais alto astral que conheço (e admiro) e que, vez por outra, como é humana, também se irrita.



Ela era fascinante! Ser feliz era sua sina, e disso jamais desistia. E sem a mínima culpa procurava alegria de lupa. Vocação para a leveza, diziam alguns. Pouca exigência, acusavam outros que a chamavam (pelas costas, claro) de Poliana, Barbie, Chapeuzinho, Querubim.
Nem aí para o que pensassem, ela seguia vivendo segundo sua opção de preferir a luz nem dando bola às tantas interpretações.
Aprendeu a lidar com as tristezas, gastar energia só para resolver o necessário, lixar da vida as asperezas, optando por se concentrar mais no que esta lhe trazia de bom, de positivo.
E, leve, seguia feliceando vida afora, deliciosamente produtiva e confundente e, por isso mesmo, incomodando a muitos.
Até que um dia, a pressão foi demais, e ela acordou de mau humor, revoltada por ter que lidar com tantos contratempos. Afinal, ela vivia no Brasil, o que explica tudo.
Ninguém soube explicar o que aconteceu, nem ela mesma. O pior é que o seu estouro não foi levado a sério. Para a maioria, quem aprendeu a sorrir e escolheu essa expressão para
se representar não tem problema algum. E mais uma vez ela se viu só.

sábado, 19 de setembro de 2009

Um gostar distraído


Tarcísio gostava de Dinah. Não era por causa do seu jeito indireto, quase perpendicular de olhar. Não era pelos gestos contidos, pensados. Nem pelo jeito casual de se vestir. Mas talvez pelo que de sedutor ela escondia com a timidez, a cabeça baixa, a fala num fio, quase sussurrada, parecendo sempre meio assustada.


Gosto não se discute, e Tarcísio nem tentou descobrir a razão dessa atração absurda, nexo algum aparente. Foi-se apenas deixando levar pela garota de passos leves, que à sua maneira oscilante, ia-o conduzindo cada dia mais para dentro de seu mundo muito particular. E, como a maioria dos homens sofre de retardo emocional, Tarcísio não fugia à regra, por isso nem percebeu quando foi que aquele gostar cresceu a ponto de não conseguir mais nomear.


Já Dinah, ah a Dinah... por debaixo da aparência calma, do jeito meio sem jeito, essa sabia o que queria, e esse querer tinha um nome: Tarcísio. Sem os pendores próprios da beleza, ela tratou de cedo alimentar outros atributos bastante especiais, ainda que pouco valorizados: o ouvido, a compaixão, a paciência, a emoção sempre latente. Cercava-se de saberes e vivia rodeada de livros, por isso sempre tinha o que acrescentar ou forma de confortar a quem quer que precisasse ser escutado com atenção e carinho.


Quando conheceu Tarcísio, algo de muito estranho aconteceu. Era o homem de seu destino, mesmo que à primeira vista lhe parecesse um sonho absurdamente distante. E, como o Universo conspira a favor dos que desejam de forma tão arrebatada, ele foi se achegando e se envolvendo ainda que distraído. Dinah bem sabia que para ele era tudo apenas curiosidade. Por isso teve que aprender a desenvolver a calma, e não perder o controle com os esquecimentos, as traições e as dissimulações. Teve que aprender a fingir, e isso não era da sua natureza.


Enquanto isso, sem se aperceber, Tarcísio estava sendo enredado. Certo do domínio da situação e a porta de saída sempre aberta, ele abusava. Magoou tanto Dinah que, um dia, ela não aguentou mais e trancou as entradas. Bem que ele tentou se desculpar, prometeu até mudar. Descaso, para ela, era imperdoável. Era justo esse o seu limite.


Dizem que até hoje Tarcisio lamenta a perda daquela que nada lhe cobrou, muito lhe deu, a única que o fez feliz embora ele tenha custado a notar. Já Dinah, mesmo sofrendo a perda, seguiu o seu caminho.


E muitos não compreenderam quando, logo depois, ela começou a circular com Domingos, seu colega da faculdade. Tão tímido quanto ela, nada atraente, mas gentil e delicado, o rapaz foi seu abrigo e seu apoio naquelas horas difíceis. Ela até parecia mais bonita e segura de sí. Ficaram juntos por um tempo, fizeram planos. Até que o olhar enviesado de Dinah cruzou com o de Marcel, campeão de esporte, o gostosão da hora e só aberto a relacionamentos de superfície. E, de novo, ela caiu no conto do Homem de seu Destino. Tem gente que não aprende.


(*) " A menina no espelho", de Norman Rockwell, pintor e ilustrador norte-americano.

(**) Vai bem também ouvindo Maria Bethânia cantando "Grito de Alerta", de Gonzaguinha. Clique aqui.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Amor eterno


Logo cedo li a notícia que hoje, dia 09/09/09, há dezenas de milhares de jovens chineses se casando porque o número 999 na China significa longevidade e amor eterno. E no mundo todo está acontecendo agora uma imensa onda de casamentos. Bonito isso, não? Uma esperança. Existirá mesmo o amor eterno? Amor de amigo? Amor de amor? Amor universal?

É que a numerologia vê nesta data um momento de encerramento de ciclos, meditação e caridade. Dia de aprender a deixar de lado o que nos faz mal para podermos crescer.
Para os estudiosos, o número nove representa o fim de um ciclo e o encontro do equilíbrio das emoções.

Quem nasce em 9 de setembro tem como missão levar o bem para uma grande quantidade de gente. Devem ser pessoas especiais, com certeza.


(*) O Casamento Chinês ou Double Happiness, colagem da jornalista e artista plástica Paula Dipp, que acaba de lançar o livro Prá sempre teu, Caio F, falando de sua amizade de muitos anos com o escritor Caio Fernando Abreu, este também um belo caso de amor eterno.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Tantas



Tem dias

que desperto

poesia

um acorde

uma harmonia

leve como um sopro

quase um bafejo

e me deixo levar


Tem dias

que acordo

do avesso,

a pá virada

venta arrepiada

puro atropelo

cheia de quereres

e razão.


E tem dias

que a aurora

me liberta

a serpente

mitológica

deslizante,

sinuosa

ardendo

em chama

meio gótica

dentro do lençol.

Quando isso acontece,

eu não respondo por mim.