terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Coração agalopado


Final de ano e a cidade ganha cor de vermelho, verde, prata, ouro e urgência. Sacolas guardando carinhos, pacotes prometendo abraços, fitas desenhando laços e amores, gente se prometendo mudanças. Arquitetagem de sonhos. Ninguém parece ligar para as filas, as listas, o congestionamento, os pedintes, o cansaço da balconista, a fúria do manobrista. Um novo ano virá e, com ele, os planos a realizar: pintar a casa, trocar o carro, mudar de bairro, voltar a estudar, emagrecer, perdoar, viajar, parar de fumar, mandar o chefe praquele lugar. E em doses cavalares beijar, amar, trepar com urro, a pele amaciar e o peito destravar.

Vésperas do Natal, noite alta, corpo esparramado no sofá, o pé com bolhas após um dia de compras, toca o celular. Do outro lado, uma voz velha conhecida mas há muito distante. E aí, como vai? Viva o Orkut, finalmente nos achamos de novo. E as palavras jorram, se atropelam e se enovelam. Tanto pra falar, tantos acontecimentos desde então. Saudade braba, ninguém disfarça. Coração agalopado, o pensamento voa veloz rumo a um tempo sem tempo, um parêntesis blindando uma história guardada no arquivo das lembranças eternas. Impossível não delirar e desejar lá no fundo: será que agora vai ser diferente?

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A incrível arte de Mister Nose


Sei que sou um anormal. Um desclassificado. Afinal, como nomear alguém cujo prazer maior vem de um sentido exacerbado: o do olfato. Não tenho claro como isso começou, mas guardo a imagem de, muito pequeno ainda, me enfiar por debaixo da mesa para espiar entre as pernas da tia Izaura. Mas não era a visão daquelas canelas finas cobertas por meias grossas presas às coxas por um elástico rendado, nem o pedaço de carne muito branca e macia que se estendia até a virilha, e sim o cheiro que dela se desprendia que me deixava literalmente aturdido.

Esse prazer secreto nunca parou. Nas brincadeiras de infância, adorava o pega-pega com as meninas só para, no fim, sentir o aroma molhado de seus cabelos e pele. Já no ginásio, dava sempre jeito de ficar na porta do vestiário vendo-as entrar pingando após o jogo de vôlei. E assim fui crescendo, sentindo essa estranha atração por cheiro de mulher, mas com receio de parecer bizarro, nunca pude falar disso com ninguém.

Já adolescente, notei que beijos e amassos só me excitavam realmente se trouxessem algo mais. E então sofistiquei o método: passei a aparecer sem aviso, bem quando a namorada ajudava a mãe na faxina da casa. Com alguma lábia dava um jeito de levá-la até um canto mais escondido e, mesmo à luz do dia, prensava-a na parede num abraço intenso e desajeitado, enfiando o nariz na axila e a mão curiosa por dentro da sua calcinha e a bolinava um pouco. Envergonhada por ter sido surpreendida tão desarrumada, assustada com a abordagem, excitada e, ao mesmo tempo temerosa da mãe nos flagrar, a garota acabava transpirando e umedecendo a xoxota mais ainda, o que para mim era um verdadeiro delírio. Quase explodindo de desejo, eu saía de lá voando para o meu quarto, onde ficava cheirando minha mão por horas, enquanto me masturbava repetidamente até quase desfalecer.

Tive muitas namoradas, e elas nunca entenderam como à noite, quando se arrumavam para sairmos, eu não parecia tão atraído. De todas, a que gostei mais foi Madalena, cujo aroma delicioso recendia a bicho. Já quase terminando a faculdade, e apaixonado, tentei me abrir, explicando o quanto gostava de seu cheiro natural, mas Madalena relutava. Acreditei que cederia um dia, chegamos a nos casar, mas ela nunca me compreendeu. Com o tempo, foi ficando mais e mais incomodada com meus estranhos pedidos, e cheia de pudores, passou a me rejeitar chamando-me de tarado.

O casamento durou pouco, é óbvio. Desde então, aprimorei o fetiche, o olfato e as escolhas. Aceitei que não posso prescindir do cheiro intenso de uma fêmea, e por isso faço o que for para conseguir parceiras, até a submissão se for preciso. Inscrevi-me num clube de sadomasoquistas e por lá tenho encontrado algumas mulheres bem interessantes que aceitam fazer sexo nas minhas condições: que não tomem banho, não usem perfume, sequer desodorante, não se depilem e nem troquem de calcinha 24 horas antes do nosso encontro. Uma vez no ato, elas logo percebem que eu literalmente perco qualquer traço de razão quando enfio o rosto numa boceta peluda e suada, transformando-me num animal dócil, absolutamente servil. Em troca, aceito tapas, ordens o que for. E as trato tal como divindades, dando-lhes com meu pau, boca, língua e dedos o prazer máximo, até que me peçam para parar de tão satisfeitas. É quase como que amor.

Infelizmente, ainda não consegui unir esse prazer específico com um relacionamento afetivo e duradouro. Mas ainda tenho fé de encontrar minha alma gêmea. Contudo ela terá que vir naturalmente. Afinal, não posso sair por aí perguntando àquelas que me atraem: você gostaria de se mostrar mulher de verdade?

(*) A arte acima é do alemão Rudi Hurzlmeier, de 2007, e faz parte do acervo do Museu de Caricaturas Eróticas de Viena, na Áustria

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Meme dos 8 amigos e 8 desejos


Fui convidada pelo Peterso Rissatti, do Vermelho Carne para uma brincadeira que está rodando o mundo. É um meme bem legal, dividido em três partes:

1ª parte: fazer uma lista de 8 desejos. Então, como não custa sonhar, vamos lá:

1º) Conquistar cada vez mais leitores, publicar meu primeiro livro e um dia poder viver da literatura que produzo;
2º) Fazer aquela tão sonhada viagem à África e conhecer, sobretudo, Angola e Cabo Verde, poder ficar um bom tempo por lá podendo trocar experiências e fazer amigos;
3º) Estudar espanhol, rever o francês e atualizar o inglês;
4º) Conseguir um apartamento onde possa escrever com vista para o mar;
5º) Continuar arrumando tempo para as melhores coisas da vida que são os amigos, os filhos e os sonhos;
6º) Ter o privilégio de envelhecer com sabedoria, bom humor e saúde;
7º) Acabar com a hipocrisia no mundo (quem sabe alguém invente um spray que revele quando a pessoa estiver sendo hipócrita, deixando-a azul);
8º) Que surja uma vacina que acabe de vez com a celulite.

2ª parte: convidar oito blogueiros para continuar a brincadeira, comunicando-os do convite via posts em seus blogs. São eles:


3ª parte: Comentar no blog que me convidou (já comentei), e orientar os convidados a publicarem o selinho da brincadeira, que está aqui no alto.

Foi muito difícil escolher só 8 amigos blogueiros, mas busquei variar os estilos e até ampliar o número de cidades. Mais difícil ainda foi selecionar só 8 desejos. Mas procurei conter minha gula, afinal desejos são perigosos. Eles podem se concretizar
.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Crônica da vida útil

É curioso como a vida se dá em camadas e sempre nos surpreende. A frase pode parecer banal, mas o comentário é legitimo para todos aqueles que se dispuserem a prestar atenção em Dona Branca. Ela mudou-se há pouco para o prédio em que moro, e circula pelo bairro sempre elegante, perfume lembrando rosas, cabelos bem cortados e tingidos de louro escuro, vez por outra conduzindo Nicolas, seu cão salsicha. Já cruzei com ela na ioga, no cinema, rodeada de amigos em restaurantes, ou voltando da feira com braçadas de alegres flores do campo.

Dá gosto observá-la. Dona Branca certamente já ultrapassou os setenta, o que não a fez em nada perder a energia. Nas reuniões de condomínio é a mais articulada, com aquele timbre enfático de quem parece ter sido professora, ou talvez advogada. Simpática, porém discreta, dela sabemos pouco, exceto que recebe muitas visitas. Talvez os taxistas do ponto vizinho sejam melhor informados, uma vez que ela é assídua cliente deles.

Dia destes tomei conhecimento de outra senhorinha que está dando o que falar. Trata-se da professora aposentada Jane Juska que, perto de contabilizar três décadas de jejum sexual, cansada de procurar parceiros em festas e bares em vão, resolveu trocar de estratégia, e publicou o seguinte anúncio num jornal de literatura de Nova York: “Antes de completar 67 anos eu gostaria de fazer muito sexo com um homem de quem eu goste”.

Divorciada e com filho maduro, ela imaginava que teria, no máximo dois ou três retornos. Mas sua caixa postal recebeu 63 respostas. Frente a tanta fartura, Jane pôde até se dar ao luxo de escolher. Marcou encontros com vários pretendentes, e conta que, com quatro deles, fez sexo de verdade. Detalhe: os rapazes variavam dos 32 aos 82 anos. A experiência foi tão bem sucedida que ela, fortalecida, partiu para outro ato de coragem ao publicar o livro Uma Mulher de Vida Airada – Memórias de Amor e Sexo depois dos 60 (Editora Rocco), que chega ao Brasil nesta semana.

Sua justificativa: “A maioria das pessoas de idade, em especial as mulheres, têm medo de correr riscos. Preferi agir a esperar que alguma coisa acontecesse”. Tanta ousadia mudou a vida dessa mulher que hoje está com 75 anos, conquistou um namorado e teve seu livro publicado em vários países.

Ao ler esta notícia, não tive como não pensar na Dona Branca. E ri bastante quando compreendi, finalmente, aquela olhadinha discreta que ela deu, dia destes, no meio das pernas do meu namorado, seguido de um semi-sorriso que eu podia jurar que era safado. Afinal, tenho agora a real dimensão do quanto extensa pode ser a vida útil de uma mulher. Jane e Branca podem, orgulhosas, provar ao mundo que fantasia não tem idade.


(*) A matéria inteira sobre Jane Juska e seu livro está na revista Época on line

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Delivery apimentado

Muita gente anda comentando. Dizem que uma garota, aparentemente de classe média e bem bonita, moradora de uma área nobre da cidade, certa noite estava com fome porém sem um tostão na carteira. Teve uma idéia e resolveu arriscar: telefonou fazendo um pedido a uma pizzaria e, na hora que o entregador chegou, vendo que ele era do tipo bonito e saudável, explicou que não tinha dinheiro e propôs pagar o delivery com sexo. Mesmo surpreso com a proposta, vendo que ela era bem apetitosa, o rapaz não titubeou e, ao voltar, pagou do seu próprio bolso, e sem o menor arrependimento, aquela entrega tão lúdica. Tempos depois, ela usou da mesma estratégia com outra pizzaria e novamente deu certo. Pelo visto ela gostou da brincadeira e conquistou fãs que até abriram uma comunidade no Orkut em homenagem àquela que, um dia, eles esperam atender.
Os patrões já começam a desconfiar quando os motoqueiros demoram mais que o habitual para voltar da entrega. Esse sonho tem feito milhares de rapazes dessa categoria profissional encarar com ânimo redobrado cada novo expediente. Será lenda?


"Todo prazer sentido com gosto parece-me casto"
Marguerite Yourcenar (1903-1987), escritora belga

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Displicência


Por que seduzir, se a vontade é pouca, e as palavras ocas? Só mais uma marca no coldre?





Traço II, foto de Rafael Assef

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Certezas demais ... ou por quem os sinos dobram




Era definitivamente junho e a data combinada. Toda vida, Beth teve muitas dúvidas e algumas certezas. Assim como o sol nunca cai do céu e os rios jamais correm morro acima, Beth estava convicta que Paulo a amava sobre todas as coisas e que, finalmente, depois de 15 anos, ele deixaria Tereza e seria só seu. A eterna coitadinha que se virasse, como ela própria se virou esse tempo todo não tendo com quem compartilhar as noites, os natais, as férias.

Curioso esse trio. Conheceram-se na época do cursinho jovens, cheios de planos e libido. Logo Paulo partiu para cima da Beth, a exuberante morena que ganhava a vida como modelo sobretudo de lingeries. E sentia-se o mais homem dos homens quando via o recheio dela exposto em outdoors pela avenida, sabendo que era ele o escolhido a se chafurdar naquelas cobiçadas carnes. Muito embora não fosse nenhum apolíneo espécime, ele tinha lá seus atributos. Meio baixo para a época, contudo era magro, musculoso e sua saudável cabeleira atraía olhares e a cobiça de todos, inclusive no trabalho. Sim, naquela época Paulo já engatinhava uma promissora carreira no mercado de capitais.

Nunca ninguém entendeu, contudo, o que levou Paulo a se aproximar de Tereza, garota miúda e de beleza tão comum que, não fosse a tosse constante, passaria despercebida. Tímida, Tereza falava baixo e pouco. Nem loira nem morena, daquele tom incerto, tanto quanto incertos eram seus sonhos, a garota que desde tenra idade sofria de achaques de toda ordem cresceu cercada dos cuidados da família abastada. Talvez tenha sido justamente essa doçura frágil que atraiu Paulo.

Eram os anos 70, do amor livre e tal, Beth era a titular no coração do rapaz que, com alguma ginástica, fugia da marcação e ia fazendo pontos junto à Tereza. Beth sabia, mas liberal, nem dava importância às escapadelas dele. Afinal, era ela a prenda mais cobiçada, Paulo o seu escolhido e Tereza, decerto, jamais seria ameaça.

Tempo vai, tempo vem, e o coração de Paulo, atado ao de Beth , começou a bater também para a garota de cor indefinida, que com fragilidade comovente foi enlaçando-o, até que engravidou. É gravidez de alto risco, ela pode morrer.
Não posso abandoná-la agora, argumentou Paulo para justificar o casamento apressado. E continuava a alimentar a esperança: Assim que a criança nascer e Tereza melhorar, eu me separo e venho viver contigo. E Beth continuou acreditando nisso mesmo quando Paulo e a mulher tiveram o segundo filho, também com alto risco. Afinal, ele continuava o amante viril e apaixonado de sempre, telefonando baixinho no meio da madrugada, enviando torpedos durante a sessão do cinema escondido da mulher, mandando flores por tudo e por nada mesmo durante as freqüentes viagens de negócios, enfim o homem que toda mulher sonha. Por causa desse amor ela dispensou grandes partidos, aspirantes que tudo fariam para tê-la ao lado.

Enquanto isso Paulo prosperou, abriu empresa em sociedade com um velho amigo do cursinho, engordou um pouco, perdeu a cabeleira e aprendeu a viver dividido. Uma sabia da outra. Tereza, achando que era só sexo, fazia-se de morta. Beth atribuía à saúde frágil da rival a falta de coragem dele de romper com o casamento. Até que o destino deu uma mãozinha e, na primavera, uma forte infecção levou de vez Tereza. Beth se comoveu, claro, mas não pôde deixar de exultar. Estava chegando, enfim, sua hora de assumir o posto. Passado o funeral, começou a manifestar urgência. Afinal, o seu corpo em relógio gritava, e ela queria filhos e uma família. Mas ele pedia um tempinho, até as coisas acalmarem.

Beth, inquieta, pressionava, e ele acabou concordando em marcar uma data, e prometeu: até o próximo aniversário dela já estariam de casa montada e morando juntos de vez, agora sem ninguém para atrapalhar sua paixão. Só que, conforme junho ia chegando, mais Paulo ficava angustiado. Chorava muito, e não conseguia explicar a razão de tanto tormento. Ela atribuía esse estado de espírito à recente viuvez. Mas aos poucos, ele foi deixando de procurá-la, de telefonar, até que desapareceu, sem explicação alguma. Os amigos comentavam, a fofoca corria solta, mas ela recusava-se a acreditar. Até que, meses depois Paulo deixou os filhos com os avós, e transferiu-se de vez para a matriz da empresa no Rio de Janeiro.

E a morena, antes tão perto do sonho, teve que rever suas certezas. Por mais que o tempo passe e a terra gire, o sol nunca cairá do céu. Mas é possível, sim, um homem, aparentemente hetero, manter um caso secreto com o sócio por anos a fio, sem viva alma desconfiar. E, na hora de decidir, ser justamente esse o nó maior, impossível de ser desatado.


(*) Conto publicado no livro "Blablaglogue- Crônicas & Confissões", Editora Terracota, livremente inspirado no conto Desenredo, de Guimarães Rosa; e com um belo recorte by Peterso Rissatti no Vermelho Carne

(**) Vampiro", óleo do norueguês Edvard Munch (1895)

(***) Vai bem ouvindo o brega Amor Dividido, banda Calcinha Preta

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A dupla chama - Amor e erotismo


O título acima é de uma obra de Octavio Paz (Editora Siciliano, 1995, 2ª edição), o grande poeta mexicano, que aos 80 anos demonstrou uma jovialidade impressionante ao escrever esse verdadeiro tratado que liga os dois temas.

O dicionário lhe dizia que a chama é a parte mais sutil do fogo e se eleva de forma piramidal. Esse foi o ponto de partida para ele escrever:

"O fogo original e primordial, a sexualidade, levanta a chama vermelha do erotismo e esta, por sua vez, sustenta outra chama, azul e trêmula: a do amor. Erotismo e amor: a dupla chama da vida".

Erotismo = poética corporal
Poesia = erótica verbal

Erotismo não é mera sexualidade animal, é cerimônia, é representação, é sexualidade transfigurada em metáfora.

Assim, erotismo e poesia, movidos pela imaginação e utilizando-se de ritmo e metáforas, fazem uma oposição complementar, tal como o sexo, tal como a vida.

Ilustração: “Expectation”, Gustav Klimt (imagem parcial)

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Menino Bonito


o que faço
com você agora
pacote mais lindo
(delícia)
que ainda está indo
enquanto eu já me recolho?
(saboreio)
tens razão, meu querido
relaxo e gozo!


(“A vida acontece sempre tarde demais” – frase de Herbert Quain, escritor irlandês “inventado” por Jorge Luis Borges, no conto “Exame da obra de Herbert Quain”)

domingo, 21 de setembro de 2008

Intimidade

Sou modesta. Festa muitas vezes são só dois dedos de prazer.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008






Porque há o direito ao grito.
então eu grito.” (Clarice Lispector)

domingo, 7 de setembro de 2008

Emboscada

Preparo a tocaia, atenção total a cada detalhe para não perder a presa. É quase um ritual. A melhor hora da semana merece todo cuidado. Desde a manutenção do equipamento para que não falhe na hora H, a montagem, a intensidade da luz. Antes sempre um relaxamento com música, seguida de alongamento. Tudo para preparar olhos e músculos para que não falhem na missão. Depois, é hora de observar o tempo e a direção do vento. Tudo tem de ser previsto. Apesar da excitação, nada pode falhar. Olho para o relógio. É hora de começar a preparar a cilada..
“Pedro Henrique, você não vem jantar?”.
Ajeito a posição da cortina, apago tudo, deixo só o abajur ligado. Olho o relógio. Acabou a novela das 8. Está quase. Hora da Deusa aparecer. Essa espreita bem merecia uma prece, juro, daquelas bem inflamadas, tipo transe de se jogar no chão do templo. Mas, ao contrário, me contenho. Conto minutos... segundos agora. Começo a transpirar, e as mãos querem tremer. Respiro fundo, preciso me conter. Até que...pá... acende-se a luz na janela do 8º andar da área de serviço do edifício em frente, para minha sorte sempre aberta. E Kristyelly entra, gloriosa...assim mesmo: K-r-i-s-t-y-e-l-l-y. De tão ensandecido com essa mulher-miragem, até subornei o faxineiro do prédio vizinho para descobrir o nome da Deusa..... E é ela em flor que aparece com o indefectível vestidinho cor de rosa de abotoar, decerto escolhido pela patroa na vã tentativa de esconder aquelas curvas-pecado. Para minha felicidade, ela segue a nossa rotina... Nossa, claro, afinal, já somos íntimos.
Com ar cansado, depois de um dia inteiro limpando e cozinhando para aquela família, ela apossa-se do quartinho. Primeiro, ainda de pé, tira os sapatos. Depois, se livra do elástico (também rosa, claro) que lhe prende os cabelos escuros, balança a cabeça e os cachos caem sobre os ombros, ainda meio indomados. Aí ela liga a TV e começa a abrir um a um, os botões da roupa, enquanto mexe o corpo ao som da música de um programa bobo de auditório que está começando.
“Pedro Henrique, vai esfriar....”
E é aí, justo quando se livra do uniforme, que surge aquilo que tem sido o meu vício desde que, no Natal, ganhei um binóculo no amigo secreto da firma: a calcinha branca de algodão.
Foi essa Deusa a responsável por me cooptar a essa religião: a dos-adoradores-de-calcinhas-brancas, da qual agora sou um servo fiel. Só que numa corrente especial, bem mais especializada: a dos adoradores-de-calcinhas-brancas-de-algodão-meio-tortinhas... Por sua causa, ou melhor, em seu louvor, reservo as minhas noites de quarta para essa celebração que já me fez comprar uma câmera potente, muitas lentes, uma filmadora, montar diversos álbuns e passar noites editando filmes para registrar a fonte daquilo que se transformou em alimento vital.
“Pedro Henrique, eu não vou chamar mais, heim?”
Às vezes piro, e desconfio que esse monumento sabe que a estou tocaiando, e se exibe para mim tão à vontade que nem se lembra de puxar a calcinha para cobrir algum pominho de bumbum que tenha ficado para fora. É de matar, juro! Loucura que me faz não ver mais graça alguma em lingeries. Eventualmente saio com alguma garota, e aquele desfile todo de tangas, rendas, laços não me diz nada. Tadinhas... elas nem imaginam o poder bélico de uma modesta calcinha branca de algodão sobre um simples mortal.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Meninas más também sofrem

Menina, você um dia ainda vai quebrar a cara. Tanto topete pra que? Ainda lembro minha mãe dizendo isso, eu ainda novinha e já tão metida que acabava isolada. Mas nem ligava. Sabia que era a mais linda, a mais loira, a mais alta e poderosa. Nenhum garoto, professor, primo ou vizinho resistia. Eu jogava o charme, seduzia até os que não me interessavam. Nos esportes também sempre fui muito competitiva, e arrasava no vôlei sem esforço algum, sequer dieta, o que irritava as colegas. Terminado o campeonato, largava aquela medalha boba em qualquer canto, já não tinha mais graça. Gostoso mesmo era disputar e vencer.

Falsa magra, curvas feitas para derrapagens, cabelos longos e sedosos sempre fui bonita e feita para conquistar. Falsa modéstia pra que? Enxerida diziam. Eu nem dava bola. Já o gostosa eu adorava ouvir. Então caprichava mais ainda na ginga e no olhar sedutor. Às vezes queria ser discreta, mas chamava a atenção. Quem é aquela loiraça ali? Nem precisaria tanto de bom discurso ou inteligência, mas mesmo assim sempre tive língua esperta, mordaz, raciocínio rápido. O que me fez subir na carreira executiva, e chegar no privilegiado posto em que estou. Sinceramente, dá para negar que beleza abre portas?

Dizem que o amadurecimento vem com o tempo. Não no meu caso. Às vezes até que eu tento melhorar como ser humano, ser mais solidária, ouvir as pessoas, mostrar interesse. Mas o esforço é vão, e a atuação canhestra, atriz de quinta. Não há bondade em mim. Divirto-me com a desgraça do outro. Sou do tipo que morre de rir quando alguém toma um tombo ou falha em algo. Adoro constranger, derrubar, tirar do caminho quem me atrapalha. Olhar no olho do outro e ver a dor que causei. É quase um orgasmo, quase nem consigo disfarçar.

Mês passado ainda, conheci um surfista trintão todo sarado, convencido e muito assediado. Bastou querer e o gato estava na minha mão. Mas quando ele tirou a roupa, sinceramente desapontada, olhei bem o material e disse só isso? fala sério.... Ele perdeu o pé, patinou naquela noite e me divirto imaginando que deve estar patinando até agora. Lembro também do Antenor, um diretor com quem tive um caso por uns tempos. Até gostava dele, nos dávamos bem na cama e tal. Mas, só de sacanagem, toda vez eu abusava fazendo o gênero insaciável, só para ter certeza que ele voltaria para casa literalmente esfolado, destruído, e pior, cheio de marquinhas. E me divertia imaginando-o encobrindo pistas e fugindo daquela mulher metida que, tenho certeza, naquele ano, até eu enjoar, ficou na base da saudade digital ...

Certamente é por isso que tenho poucas amigas, apenas aquelas de quem não roubei o namorado, claro. Já os amigos, eu não perdôo, e os uso ao sabor da minha vontade tanto para o sexo como para subir na empresa, conforme o interesse na hora. Nesses anos todos, nas minhas mãos, eles se transformaram em frágeis marionetes, e eu mestre Phd em descarte.

Sei, sou vil, podre, não tenho um fiapo de consideração, desconheço o que significa compaixão, muito menos generosidade. E fico aqui me perguntando, será que o Waldyr desconfia que estou saindo com o Paulinho? Só isso justificaria o fato dele ontem, na cama, ao apertar minhas coxas, dizer como quem não quer nada, engraçado, parece mixirica, ó.... Estou arrasada desde então.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Problema nas costas

"Aprendi com as primaveras a me deixar cortar
para poder voltar inteira"

(Cecília Meirelles)

Basta chegar perto do clube escondido na discreta ruela que ele se transforma. Sem que se aperceba, o senhor altivo e encorpado vai encolhendo os ombros, baixa o olhar, e até parece hesitar ao pagar o táxi. Com passos inseguros, atravessa a calçada e toca a campainha do sobradão. É recebido pelo funcionário de forma cortês, quase afetiva.Afinal, trata-se de um velho freqüentador. Olá, doutor Mendonça, como tem passado? Vamos? E, sem mesmo esperar resposta, o conduz pelo salão protegido do sol por pesadas cortinas de veludo até a nobre escadaria. Juntos, seguem até o final do corredor do segundo andar, onde fica a sala à prova de som. Abrindo a porta pesada de madeira escura e trabalhada, diz ao visitante Fique à vontade, ela já o atenderá.

Ao ver-se sozinho, é tomado por um calafrio, transpiração gelada. Larga a pasta de documentos no sofá. As velas, muitas, conferem ao espaço uma luz bruxuleante. Da caixa de som sai um rock metal de inspiração medieval, tal qual os instrumentos dispostos nas paredes. O cenário, sinistro, recende a vela, sândalo e esperma. Devagar, vai tirando o paletó, a camisa de linho com suas iniciais bordadas, as calças e os sapatos de cromo. Fica só de cueca e regata, brancas e muito engomadas. Por longos dez minutos, espera em pé, mal suportando a ansiedade. Mas assim que toma coragem de se acomodar na ponta do sofá, abre-se a porta. Quem mandou você sentar, heim? Só de ouvir aquela voz grave e forte, o coração dispara. Num salto ele se levanta, com jeito de criança pega durante a traquinagem, e volta para o chão os olhos chorosos.

Você anda muito folgado, e está precisando de um castigo, diz a mulher, enquanto se aproxima, segura o rosto do homem entre as mãos e sussurra carinhosamente: Você tem sido mau e precisa de um corretivo, não é, Binho? Ao ouvir o apelido de infância, ele treme. Sabe que, a partir dali, o comando estará nas mãos dela. Quer responder, mas as palavras não saem. Concorda com a cabeça. Muito bem, querido, então tira esse resto de roupa e senta aqui, diz apontando uma mesa metálica, enquanto se vira para selecionar os artefatos que darão o tom à sessão: a mordaça de couro que ata ao rosto dele com ganchos por trás da nuca; e a coquilha negra para os genitais que ele veste sozinho, ajustando-o à cintura, com mãos febris.

Pode ir deitando, enquanto escolho aqui algo bem especial para hoje... De bruços, ele nem bem se refaz do choque da pele queimando e o frio do metal, quando ouve o primeiro zunido da vara no ar seguido de um ardido na região dos rins. Esta foi prá você nunca mais folgar nos meus aposentos, compreendeu bem? E, agora mais esta prá você nunca se esquecer disso...e mais esta... Seguem-se golpes em diferentes lugares. A cada um, Albino bufa como animal enjaulado, rosto de lado, olhar fixo cravado nas botas da sua Senhora. Para aumentar a sensação, na seqüência ela se coloca bem grudada ao rosto dele, de forma que possa cheirá-la, enquanto passa a esfregar pedras de gelo em suas costas, tornando nítidos os vergões naquela pele clara. Outra tortura. E um transe que mistura pavor, excitação e submissão total.

Aquilo dura uma eternidade. Em certo momento, ela agarra os cabelos de Albino para fazê-lo sentar. Agora estapeia-lhe o rosto dizendo: Sua coisa inútil. Não vá pensando que acabou, viu? E o empurra para que se deite, barriga para cima. Então deixa ver qual presente o Binho merece hoje... Hã, hã, achei aquilo que você adora,diz enquanto levanta as pernas do homem que fica, assim, dobrado em si mesmo, nádegas expostas para o açoite. E, como quem pune um cativo, ela vai desferindo as chibatadas, repetindo alto e forte as reprimendas. Albino retorce-se. Dor. A cada pancada, as veias do pescoço dilatam-se mais e mais. Vermelho vivo. Excitação tão visível que o protetor genital parece querer estourar. Nem pense em gozar agora, rapaz! Isso só pode acontecer se eu achar que deve, e na hora que eu permitir, está ouvindo bem?

O homem não agüenta mais. Mas recebe a ordem de sair da mesa e se ajoelhar no chão. Nesse momento, descontrolado, começa a beijar e a lamber as botas da Senhora, gemendo para páre os castigos. Como você ousa tocar em mim sem permissão? Então ela afasta-se daquele cão amordaçado e louco, pega da parede um chicote, o maior deles, e judia daquele corpo, incluindo os genitais.

Cada vez que o couro bate e depois escorre pele abaixo, ele se contorce. Nos segundos que antecedem o próximo golpe, começa a implorar para que pare. Está a ponto de sangrar. Até que, finalmente, não suportando mais os castigos, ele grita a senha – aquela redentora: “ESPELHO!” É chegado o limite. Ela pára imediatamente, joga o chicote no chão, senta-se na cadeira-trono, tira um dos peitos para fora, e diz Pode vir, minha criança. Acho que você já aprendeu a lição. E assim, arfando, ele solta a mordaça, engatinha até a Rainha, escala sofregamente suas pernas, cheira sua vulva, e então alcança com a boca o seio oferecido, enquanto o corpo se esvai num orgasmo poderoso. Êxtase total.

.......................................


- Oi Mendonça, tudo bom? Tá doido homem, bebendo antes da nossa partida?Cadê sua raquete?

- Hoje não vou jogar não. Passei só para comemorar com vocês a fusão. Logo mais vai ter um jantar lá em casa para festejar a novidade com os filhos e os netos. Mas não sei o que aconteceu com as minhas costas, elas estão me matando...

domingo, 20 de julho de 2008



terça-feira, 1 de julho de 2008

Cobiça

letras nos olhos

imagens na cabeça

lá vai ele

num mundo só seu

e eu cá do meu canto

só cobiçando nele entrar

se eu te acerto, poetinha

bem no meio da minha mira

prometo mil novos temas te dar

bem diferentes decerto

daqueles com que te ocupas

mas eu te garanto, meu nego

e não te assustes:

fagulhas e chispas

brotarão no teu canto

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sistema muito pessoal de convicções

  • Seduzir é surpreender o desejo onde ele se esconde.
  • Se a alma não é pequena, justamente carece selecionar.
  • Me ame quando eu menos merecer, pois é quando mais preciso (provérbio chinês).
  • Devagar se vai ao longe, mas isso toma tempo demais.
  • Diga-me com quem andas, e eu te dou a ficha de todos.
  • Amigos amigos, não se deve descartar alguém só por isso.
  • Aprender é mudar (Buda Sakyamuni).
  • Enquanto existe vontade de aprender novas coisas, novos caminhos, existe juventude.
  • Cuidado com os medíocres. Além de numerosos eles estão à espreita.
  • Amor com amor se paga, mas sem exigir o troco.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Fé no taco

Versão dele:

A dona era filé mignon, coisa fina. Me tratava bem, me chamava e me queria. Nunca entendi o que ela viu em mim, um pobre taxista, coisa comum, nada especial. Do aeroporto para a casa dela, bairro de bacana, eu não tirava os olhos do retrovisor...aqueles coxões. Danada ela, cruzava e descruzava as pernas, procurando meu olho no espelho, pondo pilha. Tentei manter a compostura. No final, deixei o cartão. Pode me chamar quando precisar. E ela, pelo visto, precisou mesmo, porque dias depois me chamou para um serviço. A corrida foi curta, mas a volta na casa dela foi bem demorada. Mulher gostosa, cara. Só que devia ser muito sozinha, porque grudou. Queria namorar, jantar fora, barzinho e tal. Aquilo me assustou, confesso, mas tava bom e fui levando. Só ligava pra ela quando o tesão era muito, então já chegava chutando a porta e enchia a dona de carinho, no capricho. E ela gostava, isso eu sei. Até que, de repente, ela foi parando de ligar, atendia minhas chamadas de jeito frio. Comecei a ficar inseguro. Será que não tava comendo ela direito? Ou era barrigudo demais? Não, acho mais é que ela arrumou outro cara de pau maior...sempre tive raiva do meu ser tão pequeno. Na real, acho que foi por isso que ela me esqueceu. Mas, fazer o que? Vai ser difícil encontrar outro material como aquele...

Versão dela:

Eu voltava de um congresso em Paris, doida para chegar em casa, quando entrei no táxi de um motorista muito interessante. Olhos gulosos, ele me encarava, fiquei meio sem graça, mas bem que gostei. Afinal, desde que o Paulo foi embora, estava sem ninguém. Quando paguei a corrida, ele, insinuante, me deu um cartão de visita oferecendo seus serviços, podia chamar a qualquer hora. Pensei comigo: “Ótimo, numa hora que eu estiver precisada, arranhando azulejo, ligo mesmo”. Não demorou muito, tinha que levar uns documentos para um cliente, então chamei o Martinez. A corrida foi curta. Na volta convidei-o para um café, aceito de pronto. Bonitão e sexy, ele logo foi falando como eu era linda, atraente e tal e já foi logo me abraçando por trás. Não resisti. Transamos ali mesmo, no sofá. Que homem gostoso! Deu conta da minha carência de meses e foi embora deixando vontade de repeteco. E eu o quis muitas vezes. Meu erro foi começar a contar com ele. Chamei para ir ao teatro, ele não quis. Cinema? Sem chance, tinha trabalho. Saída para uma cervejinha? Não podia, tinha que pegar um cliente. Dormir e amanhecer comigo? Nem pensar. Decerto foi essa irritante e imensa bunda minha que o deixava envergonhado de circular comigo pelai. Ou o peito caído. Vai ver me achava velha. Eles querem sempre é carne tenra, durinha. Seja o que for, comecei a ficar insegura e já não me soltava na cama. Fui esfriando, e quando ele ligava, já não o chamava para vir. Hoje estou feliz, namoro um cara bacana, achei o companheiro que procurava. Mas nunca vou esquecer daquele taxista. Nossa, como a gente se curtiu...Hum, que saudade daquele pauzão enorme que ele tem e que manda bem como ninguém....

terça-feira, 13 de maio de 2008

Álbum

Eu aqui, às voltas com o trabalho, duas planilhas enormes para concluir, uma apresentação para montar, completamente imersa nisso, toca o celular. Atendo distraída. Maria Eduarda? Como vai você? Ando pensando tanto naqueles nossos tempos e sinto saudade. Queria tanto te ver, é possível? É o Cássio, não acredito! Aquela voz que, por tanto tempo esperei ouvir. Um filminho passa em mim. Sofri, comi o pão que o diabo amassou. Engordei, criei calos na alma, envelheci. Mas, aos poucos, fui buscando forças para esquecer. Catando um pedaço aqui, outro acolá, fui reconstruindo um novo eu. A esse pão amassado, aos poucos fui adicionando novos temperos e, dele, fiz um pudim tão saboroso, que muitos quiseram provar. Alguns eu deixei. Desses, uns gostaram tanto que quiseram ficar. Mas ainda não estou pronta. Preciso reformar o ninho, refazer o enxoval de mim, até estar fortalecida para amar de novo. Madá, você está me ouvindo?Não fica assim calada. Diz alguma coisa. Sei que fui meio canalha. Me xinga, mas não fica assim quieta, por favor. Me dá uma chance de explicar o que aconteceu. Ao ouvir o "Madá" (só ele me chama assim) as lágrimas vêm e engolem as palavras. Desligo imediatamente, vou ao toalete secar os olhos e retocar a auto-estima, repetindo um velho e infalível mantra: figurinha repetida não enche álbum/ figurinha repetida não enche álbum/ figurinha......Repito tanto que decido: vou aproveitar a hora do almoço para comprar um novo celular, último tipo, bem lindo, e com novo número.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Citando a grande escritora

Hoje reflito sobre o prazer, e busco inspiração nos mestres. Aqui, um trabalho da poeta portuguesa Maria Tereza Horta, que estes dias está em São Paulo em palestras.

GOZO IX

Ondula mansamente a tua lingua
de saliva tirando
toda a roupa...

já breves vêm os dias
dentro de noites já
poucas.

Que resta do nosso
gozo
se parares de me beijar?

Oh meu amor...
devagar...
até que eu fique louca!

Depois... não vejas o mar
afogado em minha
boca!

PS: Obrigada, Lucinda por ter me enviado essa preciosidade.




domingo, 4 de maio de 2008

Largado

Ela bate a porta sem olhar para trás, deixando o rastro de seu perfume amadeirado, forte como ela. Parece que tem medo de mudar de idéia e voltar. Ou, se como naquela lenda, ao olhar pra trás ela pudesse ser transformada em estátua de sal, condenada a eternizar aquele momento ad infinitum.

Fico aqui, nu, sem vontade de sair da cama, e como sempre desorientado. Toda vez, depois de amar essa mulher, me sinto eu próprio condenado a esse estranho e aflitivo sentimento sobre o qual não tenho o menor controle. Longe dela sinto falta, me revolto, insulto a mim próprio, tento negar, fugir dessa estranha relação, mas não tem jeito: acabo cedendo, rendido de saudade e fome, e uma vez perto, viro seu brinquedo, totalmente à mercê desse encanto.

Foi numa festa que tudo começou. Eu entre amigos conversando à toa, feliz com minha vidinha: o trabalho, o curso de pós graduação, e a namorada que administrava muito bem, de forma leve e tranqüila. Até passar aquela mulher, ar vago, sem olhar nem para mim, nem para ninguém. Não que fosse excessivamente bonita, mas era alta, vestia-se de forma despretenciosa mas muito pessoal, cabelos fartos caindo em cachos pelos ombros, olhos enormes, escuros e ovalados, chamava a atenção. Como que pairando sobre o ambiente, ela foi direto à mesa de frios. E, nesta época onde tantos e tantas se preocupam com dietas, dava gosto ver como comia. Experimentava de tudo, saboreando cada coisa. Estava entretida nesse jogo de paladar, quando não me contive, cheguei perto, e baixinho, soltei perto de seu ouvido um tudo bem Magali? Ela entendeu a alusão à personagem comilona dos quadrinhos, sorriu meio envergonhada me olhando nos olhos, e aquele olhar foi definitivo. Caí direitinho. Logo voltei para os meus amigos, perdi de vista a morena, mas não a esqueci. Antes de partir, fiz questão de dar uma volta pela festa e não sosseguei enquanto não a encontrei. Ela estava conversando com um grupo de pessoas e, sem saber se estava ou não acompanhada, estendi-lhe o meu cartão, dizendo apenas me liga para falarmos daquele projeto.

Não deu outra. Dia seguinte, final do expediente, toca o meu telefone direto. Oi, tudo bom? Aqui é a Magali. Queria falar sobre o projeto, é possível? Pode ser amanhã, 16 horas, no Café Piazzito? Conhece o lugar? Feliz com a ligação, concordei na hora. E lá fui eu, com minha melhor camisa encontrá-la. Pouco falamos durante o café, sequer nos beijamos, mas nos bolinamos bastante. Em meia hora, no máximo, atravessávamos a rua rumo ao hotelzinho, desses de bairro, que havia bem na frente do Piazzito. Mal saímos do elevador, em busca do apartamento, já fomos nos roçando. Mais parecia coisa de bicho. Uma vez fechada a porta, veio um beijo tão urgente e tão faminto que nos atordoou. E foi assim que nos arrancamos as roupas, nos esfregamos, e nos consumimos ávidos um pelo outro. E ela chorou, gemendo baixo na hora do gozo, totalmente entregue. Ficou quietinha assim, deitada nos meus braços, alguns minutos, o suficiente para eu me sentir o mais feliz dos homens.

Durou pouco esse estado de entrega pois logo ela estava se vestindo, dizendo que tinha pressa, e depois de roçar seu rosto pelo meu, respirar longamente no meu pescoço, como que querendo reter meu cheiro, ela me deu um longo beijo de adeus, e se foi, batendo a porta, me deixando completamente aturdido. Nunca tive prazer tão intenso em toda a vida. Que mulher era aquela?, eu me perguntava quando reuni forças para sair daquela cama, daquele quarto e daquele hotel barato.

Quinze dias depois, novo telefonema. Oi, aqui é a Magali. Quer se encontrar comigo amanhã a mesma hora, no mesmo lugar? Claro que eu quis, mesmo tendo que cancelar uma reunião com meu melhor cliente. E de novo o café foi rápido, e a transa demorada, intensa e animal. Mistura total de corpos e línguas, sedes e seivas. De novo ela chorou, e de novo me largou lá, feito brinquedo usado. Mas quem é essa mulher? Será casada? Da onde vem? Por que chora na hora do gozo?

Isso vem durando um ano. Não passa um mês sem que ela me acione, e eu sempre cedo, tanta falta ela me faz. Ando tão fixado nela que venho achando sem graça transar com a namorada, ando frio na relação, e ela, triste, até já ameaçou acabar com tudo. Meus sócios também têm reclamado das ausências sem explicação. Não consigo tirar a morena da cabeça, está virando obsessão. Já tentei impor outro horário, outro lugar, uma viagem, tentar descobrir seu nome, a placa do carro (se é que tem, pois sempre que chego ela já está sentada no café me esperando), mas nada. Ela liga sempre para o escritório, não tenho como localizar a chamada. Como quem não quer nada, cheguei até a perguntar ao dono daquela fatídica festa, amicíssimo da minha namorada, quem era aquela morena, mas ele disse desconhecer, acha que ela veio com algum amigo de amigo.

Até agora, ninguém sabe que vivo essa história e esse conflito. Essa mulher é o meu maior e melhor segredo. E também a minha tortura. Mas um dia ainda saio dessa, ou enlouqueço, dominado de vez.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Pausa bem-vinda

Excuse-me while I kiss the sky (de uma velha canção de Jimmy Hendrix)

sexta-feira, 18 de abril de 2008

De onde tc?

Terça feira, 17 horas, Sala 10 do Uol

Engenheiro Discreto cam, - Oi !

Meiguinha - Oi, tudo bom?

Engenheiro Discreto cam - Tudo. De onde tc?

Meiguinha - De BH, e vc?

Engenheiro Discreto cam - Também.... casada?

Meiguinhia - Sim, e vc?

Engenheiro Discreto cam - Enrolado..... como você é? Idade? O que faz?

Meiguinha - Enfermeira, 26 anos, 1.55m, 67 quilos, sou loira, gordinha, seios fartos, sempre muito sorridente, bem com a vida.

Engenheiro Discreto - hummmm, o meu tipo .....rsrs está sozinha?

Meiguinha - Sai da sala

Terça feira, 17h10, Sala 10 do Uol

Engenheiro Discreto cam – Olá, podemos tc, gata!

Avassaladora - Oi

Engenheiro Discreto cam – Quantos anos? casada? O que faz?

Avassaladora – Sim, 45 anos , morena, 1.75m, 58 kg, ex-modelo, trabalho com eventos

Engenheiro Discreto cam - Nossa, que gata...será que o Papai do Céu atendeu o meu desejo? Está só? Como está vestida?

Avassaladora – Sai da sala

Terça feira, 17h15, Sala 10 do Uol

Mulata quentecarente – entra na sala

Mulata quentecarente - Oi, podemos tc?

Engenheiro Discreto cam – Claro, gata... tudo bom?

Mulataquentecarente – Tudo bem... o que procura?

Engenheiro Discreto cam - encontrar a mulher da minha vida, e ela pode ser você..rsr

Mulata quentecarente – será?

Engenheiro Discreto cam – casada?

Mulata quentecarente – não e você?

Engenheiro Discreto cam – casado, mas as coisas não vão bem...ando carente

Mulataquentecarente – mas o que você procura? Sexo real ou virtual?

Engenheiro Discreto cam – Real, claro....quero uma mulher quente e desinibida para encontros discretos.

Mulataquentecarente – Ah, então quer uma amante?

Engenheiro Discreto cam – Não, quero apenas uma cúmplice fogosa e bonita, sem envolvimento emocional nem financeiro. A propósito, como vc é?

Mulataquentecarente – Sou negra clara, 1.65m, 56 kg, seios pequenos e bumbum grande, intelectual, faço doutorado.

Engenheiro Discreto cam – Hummm, o meu número ... como você está vestida?

Mulataquentecarente Sai da sala.

Depois que terminou com o Domingos, Clarita ficou mais aliviada. Há tempos que a coisa não andava bem, sexo devagar quase parando e muito pouco beijo na boca. Tinham ficado amigos demais e amantes de menos. Sentia apenas a falta do companheiro para os passeios, as viagens, o cinema, da preguiça gostosa curtida a dois nas manhãs dos domingos, ainda na cama. E, mais que tudo agora, Clarita sentia falta de sexo, queria voltar a trepar gostoso, sem culpa, soltar a franga outra vez com alguém que lhe despertasse os instintos mais primitivos e com quem pudesse estabelecer, pelo menos, uma mínima relação afetiva. Já mais perto dos 50, sabia que não ia ser fácil encontrar um novo amor. Mas era tranqüila e, embora bonita e ainda muito apetitosa, não ia sair por aí caçando qualquer coisa.

Sexo.Essa era a urgência que Clarita sentia naquele final de expediente. Tinha acabado de finalizar um belo projeto de arquitetura e sentia-se realizada quando resolveu entrar num Chat. Anos antes foi por essa via que ela descolara o Diego, um casadinho nos trinques, carinhoso e de boa pegada que lhe rendeu dezenas de tardes para sempre inesquecíveis. Mas, hoje, certamente não era o seu dia. Depois de entrar três vezes no chat com 3 nicks diferentes e abordar a mesma “vítima” sob 3 diferentes arquétipos de mulher, descobriu que o Engenheiro Discreto Cam era mais um dos babacas que infestam os chats. Todos com o pau na testa e com muita pressa.... Perfeita aquela velha piada: homem com tesão não tem tipo, tem urgência! E desligou o computador rindo. Acabava de ter certeza que teria um encontro importantíssimo naquela noite. Só não podia esquecer de comprar pilhas novas e uma bela garrafa de vinho no caminho de casa.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

D'além mar

O erótico é o domínio da sedução, do imaginário. O pornográfico, o domínio da excitação,dos instintos. No Brasil, o desejo e o prazer estão relacionados com a transgressão. Mas eu gosto das autoras portuguesas que se aventuram nesta área, pois em seus textos o desejo surge quase sempre como um sentimento inadequado, como que a exigir uma certa ousadia para que ele seja vivenciado.

Nasceu e vive em Lisboa a Maria Teresa Horta, uma das minhas autoras preferidas. E dela, cito aqui as últimas linhas de um conto (Mônica) que considero incrivelmente sensual :

...Os lençóis enrodilhados ficavam no chão quando saíam para o corredor sujo e escuro, a cheirar a gordura fria, entranhada, de cozinha mal lavada. Mas os dois sentiam somente o odor a orgasmo que levavam na pele, enquanto a contragosto desciam as escadas, tropeçando na boca um do outro.”

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Cílios e petulância

Cai lá fora uma chuvinha gostosa e eu me espreguiço na cama, enrolando mais e mais meu corpo nu nos lençóis macios cheirando a lavanda. Deve ser tarde. Mas não estou nem aí. Agora, sozinha na cama, acabo de decretar o meu day off. Hoje eu mereço desfrutar da minha própria companhia e estico o mais que posso esse momento gostoso. Ainda sem abrir os olhos, no lento acordar dos sentidos, alongo o corpo feito gata e, nesse movimento, noto que meus seios estão sensíveis. Também, pudera, o Juca é tão amarrado neles que passou boa parte da noite passada literalmente mamando em mim. Quer dizer, em mim e no copo de whisky que ele não desgrudou a noite inteira. Primeiro foi naquela festa careta onde me levou, cheio de mulheres com cara de Barbie velha com bocão, e homens de ar imponente.

Ele insistiu que fossemos a tal recepção que o diretor da sua empresa daria ao manda-chuva global. Dizia que estava na hora de me apresentar aos seus colegas da corporação. Estamos saindo há poucos meses, por isso estranhei o convite, uma vez que não faço parte desse mundo business. Entretanto, uma vez na festa, compreendi porque ele fez questão de me levar lá. Afinal, não deve ser toda hora que ele se envolve com uma mulher interessante, original e, se não belíssima, pelo menos com alguma coisa para falar além dos assuntos de todas as rodas ali: praia, antidepressivos, técnicas de preenchimento e academia. Ah, e ia esquecendo, outro tema em voga naquela chatice era “competitividade”. Vendo de fora aquele mulherio, talvez elas estivessem competindo para ver quem tinha o cabelo mais lugar-comum do lugar. Afinal, todas tinham o mesmo tipo de corte, tintura, e o mesmo ar blasé de quem acha que está arrasando. E vai ver que estavam. Nada contra, eu é que devia estar fora de lugar.

Depois do segundo drinque eu não agüentava mais ficar lá dentro, e ainda por cima sozinha, uma vez que o Juca, depois de me apresentar a todos como uma jóia rara, estava mais era entretido em fazer relações diplomáticas com os gringos. Eu me esforcei, juro, mas após algumas tentativas patéticas, simplesmente desisti de tentar manter algum papo com um mínimo de sentido, pelo menos para mim.

Como faço sempre quando entediada, parti para um joguinho que faço sempre nessas horas. Vasculhei a sala, procurei, procurei, e não via ninguém interessante, nem mesmo para um flerte bobo, desses de festa. Dentre todos (e todas) ali, só se salvava um dos garçons, um moreno alto, magro, olhos cheios de cílios e um ar safadinho que, literalmente, me encantou. Por segundos que fosse, ele sustentava o meu olhar cada vez que eu procurava o seu.

Até que estava divertido, mas eu não podia ficar ali só flertando o garçon. Então comecei a passear por aquela casa imensa, admirando as obras de arte espalhadas pelos cantos, paredes e móveis. De fato, o diretor tinha ali um acervo incrível de arte contemporânea e da melhor qualidade. Cheguei mesmo a achar que ele fosse um conhecedor. Ou então que a fulana que cuidou da decoração da sua nova casa (e que vive aparecendo nas colunas sociais) tenha ido se aconselhar com um bom marchand ou galerista. Sinceramente, eu apostaria mais nessa hipótese.

Estava na sala anexa ao grande salão, entretida nesses pensamentos quando o tal moreno veio, decidido, em minha direção com a bandeja.

- Está servida, senhora? O que deseja? , disse-me ele, encarando-me de forma provocativa. Não tive dúvida e respondi baixinho, também olhando em seus olhos:

- ....o seu telefone, disse eu.

- É pra já, senhora, vou providenciar, respondeu com um discreto sorriso, virando-se para servir outras poucas pessoas que estavam por ali.

Definitivamente o rapaz tinha atitude, gostei. E fiquei por ali, me divertindo, tentando imaginar como ele faria para me entregar “a encomenda”. Nem cinco minutos se passaram, e ele estava de volta, trazendo uma bandeja com outro tipo de whisky.

- Com gelo, senhora?

- Três pedrinhas, por favor, respondi.

Em seguida, com toda elegância, ele me serviu o copo, em cuja base havia um pequeno papel azul, todo dobradinho. Peguei no copo com muito cuidado para o bilhete não cair, e logo o escondi na outra mão. Não via a hora de ver o que estava escrito. Fiquei por ali um tempinho e, depois de alguns goles, circulei procurando pelo banheiro mais próximo, ansiosa .

“Não demore. 9999-9999 . Carlos”. Foi uma injeção de adrenalina. Não consigo resistir a homens imperativos. Ele que me aguardasse. Aquilo me deixou cheia de tesão, e mais impaciente ainda para sair logo dali. Imediatamente passei a caçar o Juca com os olhos daquele jeito que ele não consegue resistir. Deu tão certo que ele logo começou a se despedir do pessoal e, em pouco tempo, estávamos na minha cama fazendo aquele tipo de sexo bom, porém meio burocrático, bem ao seu estilo. Mas, desta vez, sem que Juca soubesse, tivemos um terceiro participante. E os lençóis quase pegaram fogo.

Carne Tenra

O bamba sujo, encardido, combina com o jeans surrado de tantas lavagens. A camiseta branca parece ter sido talhada para apertar aqueles faroizinhos petulantes voltados pro céu. De tão curta, a blusa revela o ventre lisinho, chupado. Franja escorrida, pele fina e corada feito criança, a garota parece inatingível quando passa a caminho da escola, mochila nas costas, balançando num andar largado, quase malemolente. Não deve ter mais que 12, 13 anos, e por isso seu frescor é cruel, agudo e cortante. Cabeça nas nuvens, ela nem se dá conta do abalo que provoca em muitos no caminho. Sequer imagina o quanto um dia ainda poderá. Se quiser. Se souber. Se atrever. Ah, minha Nossa Senhora dos Desejos Tresloucados, pudesse eu saber o que sei e ter 13 outra vez...