segunda-feira, 27 de junho de 2011

O corpo, Momento VIII




Fazer o simples é o mais difícil. O grande Arnaldo Antunes nos dá uma aula disso nesta faixa criada para um espetáculo de dança do Grupo Corpo em 2.000, onde faz um mergulho poético sobre o corpo.


O corpo existe e pode ser pego
É suficientemente opaco para que se possa vê-lo
Se ficar olhando anos, você pode ver crescer o cabelo
O corpo existe porque foi feito
Por isso tem um buraco no meio
O corpo existe, visto que exala cheiro
E em cada extremidade existe um dedo
O corpo se cortado espirra um liquido vermelho
O corpo tem alguém como recheio.



Se quiser ver e ouvir, clica aqui: http://youtu.be/fWoY1xyS1zk


(*) "Le Bain de Pied" by Sarah Moon, 1998

terça-feira, 7 de junho de 2011

Alugo-me


Gosto de acordar tranquila, sem sobressaltos, e ouvindo boa MPB. Mas assim que pulo da cama, ligo o rádio na Band FM para me atualizar com aquela voz macia do Ricardo Boechat falando comigo e comentando as principais noticias do dia.
Um dos colunistas do programa é o José Simão que dá um toque de humor ao noticiário, ideal para relaxar o espírito e começar o dia com o ótimo astral. Mas ontem ele trouxe um fato realmente bizarro, um anúncio classificado que dizia assim:






Alugo-me



Sou um rapaz bonito, gentil, inteligente, elegante, e alugo-me para o Dia dos Namoramos. Dou beijo na boca, digo que amo e até poso para foto. As interessadas podem ligar para ...



Os locutores brincaram sobre o tal anúncio, eu mesma ri dessa nova estratégia de marketing pessoal, e o assunto não me saiu da cabeça. Quantas mulheres não se despesperam todo dia 12 de junho por não terem um namorado? Muitas até saem à caça, dispostas a encontrar uma "vítima" só para não passarem aquela noite sozinhas. E conforme a data vai se aproximando, descem os níveis de exigência até que vale qualquer um para chamar de seu, nem que seja por alguns dias (ou até algumas horas apenas).



Ano após ano os motéis lotam ao longo desse dia 12 em todos os horários: logo cedinho e na hora do almoço para os (as) casados (as) e seus encontros secretos, e a partir do pôr-do-sol os carros começam a se alinhar na porta com todo o tipo de casal: namoradinhos, namoradões, casais casados, pares de meninas, pares de meninos. O tempo de permanência comprime-se, no máximo três horas, porque a fila tem que andar e aí nada de tempo para o secador ou despedidas mais caprichadas.



A espera por lugares nos restaurantes e bares assim como na porta dos motéis é longa, os preços superfaturados, o trânsito infernal, a busca por vaga para estacionar desesperadora, mas vale a pena, inclusive trocar presentes, fazer juras, desfrutar de intimidades e confidências, nem que passados uns dias depois aquilo tudo se reduza a algumas boas lembranças... e uma foto.



Há muito que os homens já perceberam essa angústia aflitiva que acomete a maioria das mulheres (de todas as idades) que estão soltas na pista por conta do tal do Dia dos Namorados, e aproveitam-se disso para garantir-se de também não ficarem solitários nessa data.



Mas esse rapaz do anúncio foi além e, com sua atitude pró-ativa, ele vai ter condições de escolher, e agendar não apenas um, mas vários encontros ao longo desse dia. Pode até mesmo fazer uma espécie de leilão, do tipo “quem dá mais?” Haja saúde! E talvez nem precise transar, não é mesmo? Quem sabe para algumas baste mesmo apenas o tal beijo na boca e a foto com o gato para postar no Facebook.


Ele certamente vai ganhar muita grana, e no ano que vem muitos vão copiar sua estratégia simplesmente porque, por mais que os tempos mudem, e cada vez mais pessoas questionem a validade de um dia feito para o comércio faturar, todo mundo quer o calor de um toque humano, mesmo que de mentirinha e precise ser pago. A novidade agora é apenas o gênero do freguês.


(*) Aquarela "Sereno", de Maíra das Neves da menina dormindo sozinha ao lado de seu violoncelo numa floresta amedrontadora tem tudo a ver com o tema. www.mairadasneves.art.br