quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Coração agalopado


Final de ano e a cidade ganha cor de vermelho, verde, prata, ouro e urgência. Sacolas guardando carinhos, pacotes prometendo abraços, fitas desenhando laços e amores, gente se prometendo mudanças. Arquitetagem de sonhos. Ninguém parece ligar para as filas, as listas, o congestionamento, os pedintes, o cansaço da balconista, a fúria do manobrista. Um novo ano virá e, com ele, os planos a realizar: pintar a casa, trocar o carro, mudar de bairro, voltar a estudar, emagrecer, perdoar, viajar, parar de fumar, mandar o chefe praquele lugar. E em doses cavalares beijar, amar, trepar com urro, a pele amaciar e o peito destravar.

Vésperas do Natal, noite alta, corpo esparramado no sofá, o pé com bolhas após um dia de compras, toca o celular. Do outro lado, uma voz velha conhecida mas há muito distante. E aí, como vai? Viva o Orkut, finalmente nos achamos de novo. E as palavras jorram, se atropelam e se enovelam. Tanto pra falar, tantos acontecimentos desde então. Saudade braba, ninguém disfarça. Coração agalopado, o pensamento voa veloz rumo a um tempo sem tempo, um parêntesis blindando uma história guardada no arquivo das lembranças eternas. Impossível não delirar e desejar lá no fundo: será que agora vai ser diferente?

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Laura em outro livro


Amigos, fui convidada e orgulhosamente estou fazendo parte de uma outra antologia, agora no gênero ficção científica, e ao lado de escritores muito bacanas. Trata-se do Portal Fundação (Editora LGE). Aqui o texto de apresentação desse livro. Clicando aqui você lê o meu texto na integra. Adoraria merecer seu comentário.


P r o j e t o P o r t a l

A revista Portal Fundação - quarto número do Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira - traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia.

São vinte e seis narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, contatos imediatos do terceiro grau, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de dezesseis autores contemporâneos.

O Projeto Portal prevê seis números, com periodicidade semestral. Cada número homenageará, no título, uma obra célebre da ficção científica: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit.

Aviso importante: o projeto não se destina à comercialização. Os poucos exemplares da revista serão dados de presente aos leitores escolhidos pelos autores.

Os contistas do Portal Fundação são: Ataíde Tartari, Brontops Baruq, Giulia Moon, Laura Fuentes, Leandro Leite Leocadio, Luiz Bras, Luiz Roberto Guedes, Marco Antônio de Araújo Bueno, Maria Helena Bandeira, Martha Argel, Mustafá Ali Kanso, Ricardo Delfin, Richard Diegues, Roberto de Souza Causo, Roberto Melfra e Rodrigo Novaes de Almeida. (http://projeto-portal.blogspot.com)


sábado, 5 de dezembro de 2009

O amor e o tempo



Bem aventurados sejam aqueles de visão ampla que sempre vão um passo além. É o caso de Nelson de Oliveira, festejado escritor, professor e ensaista, que conseguiu fazer da sua tese de doutorado um livro capaz de ser apreciado por todo bom leitor.

Ele acaba de lançar o
Axis Mundi - O jogo de forças na lírica portuguesa contemporânea (Ateliê Editorial), no qual analisa e compara a obra de dez poetas contemporâneos, a maioria desconhecida dos brasileiros. Só três deles têm suas obras editadas aqui. Dez autores, segundo Nelson, que produziram o que de melhor se publicou em Portugal do final do século passado ao início deste.

Amo a lírica portuguesa, e já conhecia o trabalho de alguns deles, como Adilia Lopes (maravilhosa) e Gonçalo Tavares. De modo que foi uma delicia seguir o raciocínio de Nelson na análise desses poetas, classificando-os numa espiral que vai da lírica de superfície à lírica mais subterrânea, termos que ele cunhou e que, certamente servirá de base para os estudos daqui para a frente.

Mas um desses poetas em especial me chamou a atenção. Reproduzo aqui um poema que ficou enrodilhado em mim, tamanho impacto. Espero que você o aprecie tanto quanto eu.

Explicação da eternidade
(de José Luís Peixoto, 2002)

devagar o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se

em tempo.


os assuntos que julgamos mais profundos,

mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,

transformam-se devagar em tempo.


por si só o tempo não é nada.

a idade de nada é nada.

a eternidade não existe.

no entanto a eternidade existe.


os instantes dos teus olhos parados em mim eram eternos.

os instantes do teu sorriso eram eternos.

os instantes do teu corpo de luz eram eternos.


você foi eterna até o fim.

Para Nelson "o discurso de Peixoto passa da natureza redutora do próprio tempo para o comentário sobre essa mulher que "foi eterna até o fim", paradoxo delicado mas eloquente, que lembra muito a célebre chave de ouro do soneto de Vinícius de Moraes, sobre o amor: "que ele seja infinito enquanto dure" (
Soneto da Fidelidade). De qualquer forma, tanto o "poetinha" como Peixoto falaram o mesmo, cada um a seu modo, que o amor pode sim ser eterno. Vou morrer acreditando nisso. E você?

(*) First Love, trabalho do ilustrador e artista plástico norteamericano Norman Rockwell.