quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Delivery apimentado

Muita gente anda comentando. Dizem que uma garota, aparentemente de classe média e bem bonita, moradora de uma área nobre da cidade, certa noite estava com fome porém sem um tostão na carteira. Teve uma idéia e resolveu arriscar: telefonou fazendo um pedido a uma pizzaria e, na hora que o entregador chegou, vendo que ele era do tipo bonito e saudável, explicou que não tinha dinheiro e propôs pagar o delivery com sexo. Mesmo surpreso com a proposta, vendo que ela era bem apetitosa, o rapaz não titubeou e, ao voltar, pagou do seu próprio bolso, e sem o menor arrependimento, aquela entrega tão lúdica. Tempos depois, ela usou da mesma estratégia com outra pizzaria e novamente deu certo. Pelo visto ela gostou da brincadeira e conquistou fãs que até abriram uma comunidade no Orkut em homenagem àquela que, um dia, eles esperam atender.
Os patrões já começam a desconfiar quando os motoqueiros demoram mais que o habitual para voltar da entrega. Esse sonho tem feito milhares de rapazes dessa categoria profissional encarar com ânimo redobrado cada novo expediente. Será lenda?


"Todo prazer sentido com gosto parece-me casto"
Marguerite Yourcenar (1903-1987), escritora belga

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Displicência


Por que seduzir, se a vontade é pouca, e as palavras ocas? Só mais uma marca no coldre?





Traço II, foto de Rafael Assef

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Certezas demais ... ou por quem os sinos dobram




Era definitivamente junho e a data combinada. Toda vida, Beth teve muitas dúvidas e algumas certezas. Assim como o sol nunca cai do céu e os rios jamais correm morro acima, Beth estava convicta que Paulo a amava sobre todas as coisas e que, finalmente, depois de 15 anos, ele deixaria Tereza e seria só seu. A eterna coitadinha que se virasse, como ela própria se virou esse tempo todo não tendo com quem compartilhar as noites, os natais, as férias.

Curioso esse trio. Conheceram-se na época do cursinho jovens, cheios de planos e libido. Logo Paulo partiu para cima da Beth, a exuberante morena que ganhava a vida como modelo sobretudo de lingeries. E sentia-se o mais homem dos homens quando via o recheio dela exposto em outdoors pela avenida, sabendo que era ele o escolhido a se chafurdar naquelas cobiçadas carnes. Muito embora não fosse nenhum apolíneo espécime, ele tinha lá seus atributos. Meio baixo para a época, contudo era magro, musculoso e sua saudável cabeleira atraía olhares e a cobiça de todos, inclusive no trabalho. Sim, naquela época Paulo já engatinhava uma promissora carreira no mercado de capitais.

Nunca ninguém entendeu, contudo, o que levou Paulo a se aproximar de Tereza, garota miúda e de beleza tão comum que, não fosse a tosse constante, passaria despercebida. Tímida, Tereza falava baixo e pouco. Nem loira nem morena, daquele tom incerto, tanto quanto incertos eram seus sonhos, a garota que desde tenra idade sofria de achaques de toda ordem cresceu cercada dos cuidados da família abastada. Talvez tenha sido justamente essa doçura frágil que atraiu Paulo.

Eram os anos 70, do amor livre e tal, Beth era a titular no coração do rapaz que, com alguma ginástica, fugia da marcação e ia fazendo pontos junto à Tereza. Beth sabia, mas liberal, nem dava importância às escapadelas dele. Afinal, era ela a prenda mais cobiçada, Paulo o seu escolhido e Tereza, decerto, jamais seria ameaça.

Tempo vai, tempo vem, e o coração de Paulo, atado ao de Beth , começou a bater também para a garota de cor indefinida, que com fragilidade comovente foi enlaçando-o, até que engravidou. É gravidez de alto risco, ela pode morrer.
Não posso abandoná-la agora, argumentou Paulo para justificar o casamento apressado. E continuava a alimentar a esperança: Assim que a criança nascer e Tereza melhorar, eu me separo e venho viver contigo. E Beth continuou acreditando nisso mesmo quando Paulo e a mulher tiveram o segundo filho, também com alto risco. Afinal, ele continuava o amante viril e apaixonado de sempre, telefonando baixinho no meio da madrugada, enviando torpedos durante a sessão do cinema escondido da mulher, mandando flores por tudo e por nada mesmo durante as freqüentes viagens de negócios, enfim o homem que toda mulher sonha. Por causa desse amor ela dispensou grandes partidos, aspirantes que tudo fariam para tê-la ao lado.

Enquanto isso Paulo prosperou, abriu empresa em sociedade com um velho amigo do cursinho, engordou um pouco, perdeu a cabeleira e aprendeu a viver dividido. Uma sabia da outra. Tereza, achando que era só sexo, fazia-se de morta. Beth atribuía à saúde frágil da rival a falta de coragem dele de romper com o casamento. Até que o destino deu uma mãozinha e, na primavera, uma forte infecção levou de vez Tereza. Beth se comoveu, claro, mas não pôde deixar de exultar. Estava chegando, enfim, sua hora de assumir o posto. Passado o funeral, começou a manifestar urgência. Afinal, o seu corpo em relógio gritava, e ela queria filhos e uma família. Mas ele pedia um tempinho, até as coisas acalmarem.

Beth, inquieta, pressionava, e ele acabou concordando em marcar uma data, e prometeu: até o próximo aniversário dela já estariam de casa montada e morando juntos de vez, agora sem ninguém para atrapalhar sua paixão. Só que, conforme junho ia chegando, mais Paulo ficava angustiado. Chorava muito, e não conseguia explicar a razão de tanto tormento. Ela atribuía esse estado de espírito à recente viuvez. Mas aos poucos, ele foi deixando de procurá-la, de telefonar, até que desapareceu, sem explicação alguma. Os amigos comentavam, a fofoca corria solta, mas ela recusava-se a acreditar. Até que, meses depois Paulo deixou os filhos com os avós, e transferiu-se de vez para a matriz da empresa no Rio de Janeiro.

E a morena, antes tão perto do sonho, teve que rever suas certezas. Por mais que o tempo passe e a terra gire, o sol nunca cairá do céu. Mas é possível, sim, um homem, aparentemente hetero, manter um caso secreto com o sócio por anos a fio, sem viva alma desconfiar. E, na hora de decidir, ser justamente esse o nó maior, impossível de ser desatado.


(*) Conto publicado no livro "Blablaglogue- Crônicas & Confissões", Editora Terracota, livremente inspirado no conto Desenredo, de Guimarães Rosa; e com um belo recorte by Peterso Rissatti no Vermelho Carne

(**) Vampiro", óleo do norueguês Edvard Munch (1895)

(***) Vai bem ouvindo o brega Amor Dividido, banda Calcinha Preta