sábado, 5 de dezembro de 2009

O amor e o tempo



Bem aventurados sejam aqueles de visão ampla que sempre vão um passo além. É o caso de Nelson de Oliveira, festejado escritor, professor e ensaista, que conseguiu fazer da sua tese de doutorado um livro capaz de ser apreciado por todo bom leitor.

Ele acaba de lançar o
Axis Mundi - O jogo de forças na lírica portuguesa contemporânea (Ateliê Editorial), no qual analisa e compara a obra de dez poetas contemporâneos, a maioria desconhecida dos brasileiros. Só três deles têm suas obras editadas aqui. Dez autores, segundo Nelson, que produziram o que de melhor se publicou em Portugal do final do século passado ao início deste.

Amo a lírica portuguesa, e já conhecia o trabalho de alguns deles, como Adilia Lopes (maravilhosa) e Gonçalo Tavares. De modo que foi uma delicia seguir o raciocínio de Nelson na análise desses poetas, classificando-os numa espiral que vai da lírica de superfície à lírica mais subterrânea, termos que ele cunhou e que, certamente servirá de base para os estudos daqui para a frente.

Mas um desses poetas em especial me chamou a atenção. Reproduzo aqui um poema que ficou enrodilhado em mim, tamanho impacto. Espero que você o aprecie tanto quanto eu.

Explicação da eternidade
(de José Luís Peixoto, 2002)

devagar o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se

em tempo.


os assuntos que julgamos mais profundos,

mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,

transformam-se devagar em tempo.


por si só o tempo não é nada.

a idade de nada é nada.

a eternidade não existe.

no entanto a eternidade existe.


os instantes dos teus olhos parados em mim eram eternos.

os instantes do teu sorriso eram eternos.

os instantes do teu corpo de luz eram eternos.


você foi eterna até o fim.

Para Nelson "o discurso de Peixoto passa da natureza redutora do próprio tempo para o comentário sobre essa mulher que "foi eterna até o fim", paradoxo delicado mas eloquente, que lembra muito a célebre chave de ouro do soneto de Vinícius de Moraes, sobre o amor: "que ele seja infinito enquanto dure" (
Soneto da Fidelidade). De qualquer forma, tanto o "poetinha" como Peixoto falaram o mesmo, cada um a seu modo, que o amor pode sim ser eterno. Vou morrer acreditando nisso. E você?

(*) First Love, trabalho do ilustrador e artista plástico norteamericano Norman Rockwell.

6 comentários:

Petê Rissatti disse...

Primeiro li seu texto, sempre ótimo. Depois li o Peixoto... e acabaram-se as palavras.

Beijos

Sady Folch disse...

Laura querida, obrigado pelo comentário feito ao poema do Ivens Scaff no Caminho do Escritor.

Também penso como você em relação a gostosura daquelas palavras. Tão bom quanto ver aqui a presença do festejado Nelson.

Abraço a todos que fazem a boa literatura, amando poesia, deixando-nos molinhos, com sorriso solto, olhos perdidos ao longe, crendo no que há de melhor nessa vida.

Beijos mil com saudades

Mônica Santos disse...

Quanta delicadeza e verdade em tão poucas palavras. Dei um suspiro fundo e nada mais existe para comentar. Bjs

Gaby Almeida disse...

Oi Laura... o texto é meu sim... nem sei como ele saiu daquele jeito... acho q é o coração que ta falando por mim, hehehheh

Unknown disse...

Adorei!!! Obrigada por compartilhar . Beijos

Novaes disse...

Sensível Laura. As palavras eternizam o amor...