domingo, 26 de setembro de 2010

Um número


Talvez por ela ser tão dadivosa, por gostar mesmo da coisa, ou quem sabe pela adoração desde sempre de conjugar os verbos variar e trepar, que nenhum dos amigos conseguiu entender quando Suely (com ypsilone como ela faz questão) começou a se envolver com Antenor, tido por todos como um viado enrustido.


Não que o fato dele ser estilista de vestidos de noiva necessariamente fosse um atestado de bichisse. Era mais pelos trejeitos, o jeito de pegar na xícara, o modo de caminhar de coxas unidas, o ouvido sempre aberto a ouvir confidências logo transformadas em fofocas. No mais ele era macho de carteirinha, se envolveu com muitas mulheres, tinha até sido casado, um par de filhos, até avô já era.


Uns dez anos mais velho que ela, Antenor era ainda elegante e fazia bonito quando acompanhava Suely nas festas, mesmo ela sendo uma trintona loiraçabelzebu cheia de curvas e peitos fartos estourando do decote infalível e matador. Um animal sexual. Antenor só não fazia bonito na cama. Para as amigas mais próximas, a maquiadora confidenciava que sexo ali era algo mais de intenção do que de ação propriamente dita. Tamanho pouco, dureza nada e, pior, carência total e absoluta de generosidade para com a próxima. Língua só para beijos apaixonados depois de alguns whiskies ou outros aditivos. Para piorar, as mãos de Antenor tão hábeis nos croquis, tecidos e bordados eram nada inteligentes no quesito “dar prazer”.


Às amigas mais intimas ela confidenciava: sem a pílula azul ele sequer conseguia o ponto mínimo para poder gozar, e isso só na punhetinha. Penetrar nela, nem pensar. Homem avariado aquele.Quando ele ia embora, restavam à loira as pregas machucadas, as costas doloridas e um cansaço provocado pelo esforço.


O que mais intrigava a todos é que, até então, a vida da moça tinha sido de farto curriculum. Em qualquer homem, ela sempre via possibilidade de um pino ereto: o garoto do farol, o PM do posto, o neguinho do pagode, o aposentado da fila do banco, o marido das vizinhas e até a sapata massagista, de tudo ela conferiu e se fartou. O que ligava essa mulher tão erótica e sexualmente resolvida a esse homem? todos se perguntavam. Mas com o Antenor, de alguma forma Suely se aquietou. Só podia ser amor, imaginavam.


Até que, certa noite, ela se viu num cenário igual ao daquele livro A Fogueira das Vaidades (que até rendeu filme, mas muito ruim). Foi quando depois de deixar Antenor no aeroporto (ele ia provar uma noiva em Mato Grosso, passagem e hospedagem por conta do pai da garota, fazendeiro podre de rico), voltando para casa, Suely se perdeu, entrou no viaduto errado, e acabou entrando numa região erma e sinistra.


Míope e atrapalhada no volante, Suely não achava saída e cada vez enfiava-se mais favela adentro, onde tudo ficava mais e mais escuro. Foi quando ela ouviu um barulho de moto. A princípio se encheu de medo. Mas, sem alternativa e tremendo muito, abriu o vidro do carro. Como é que eu saio daqui perguntou ao neguinho. Vendo aquele monumento farto, cabelos de chapinha ao vento, bocão desenhado a pincel e os peitos estourando na blusinha, ele bem que tentou manter a compostura e ensinou direito como voltar para a marginal.


Obrigada, disse ela enquanto tentava memorizar as coordenadas. Primeira à direita, terceira à esquerda. Mas bem quando esperava abrir o farol, de novo ela ouviu aquele som de motor. Olhou para o lado e lá estava a moto, emparelhada com sua perua.


Cara, você é tão linda que eu tive que voltar. Você me deixou com tesão. Olha só estado que eu tou. Foi quando Suely viu aquilo que há muito não via. Um imenso volume-homenagem-promessa-do-paraiso mal contido dentro do jeans, e um calor queimou seu ventre. Um braseiro. Jovem demais e franzino ainda, ele era meio feinho, é certo, mas os atributos eram excelentes, fora a evidente e inegável vontade política.


Suely tremeu na base, afinal nunca foi de fugir da raia. Vamo pra qualquer lugar, moça. Me leva pronde você quiser. Pelo amor de Deus. Deus. Ele falou Deus... Como ela queria provar daquilo de novo! Ela tentou cair fora, se convencer que aquilo era correr perigo demais. Argumentou que era tarde, que a mãe a esperava em casa e tal. Mas ele insistiu. Pediu até pra ela apalpar. Jurava que era um tesão que nunca sentira antes. Ela só pôde acreditar.


Com medo, mas dividida, Suely então resolveu ganhar segundos. Respirou fundo. Propôs trocarem telefones. Outro dia dariam jeito naquilo, ela jurou. Primeiro, pediu o telefone dele que anotou com o lápis de olho nas costas da mão. E então, devagarzinho, foi dizendo seu número. De sua boca foram saindo, um a um, todos os digitos, verdadeiros. Exceto o último.


Foi a noite em que Suely provocou um enfarto em seu vibrador, já tão usadinho. Estava mesmo na hora de aposentá-lo com todas as honras por serviços prestados. Mas primeiro precisava comprar outro strap-on, mais poderoso. Antes do Antenor voltar.

6 comentários:

Betinha disse...

Laura você com seu textio sempre envolvente. Estou torcendo pela Suely. Parabéns!!!

Petê Rissatti disse...

Delícia, Laurinha, conto provocante do seu jeitinho. Já tava fazendo falta...
Beijos

Gaby Almeida disse...

A coitada da Suely, ainda não entendo o motivo dela se manter casada, mas isso acontece de verdade tb, conheço casos. Seu conto me lembrou um pouco de A Casa dos Budas Ditosos. Muito bom.

Tiago Bode disse...

Lindo, já conhecia e ainda assim me reencantei!

beijos

Bia Bernardi disse...

Engraçado como o texto q=também envolve a gente, assim como o carinha da moto é envolvido pela Suely e vice-versa.

Demais!

Laura Fuentes disse...

Oi Bia, bem vinda aqui. Fico feliz que o conto tenha te envolvido. Vem mais por aí.

obrigadão