Final de ano e a cidade ganha cor de vermelho, verde, prata, ouro e urgência. Sacolas guardando carinhos, pacotes prometendo abraços, fitas desenhando laços e amores, gente se prometendo mudanças. Arquitetagem de sonhos. Ninguém parece ligar para as filas, as listas, o congestionamento, os pedintes, o cansaço da balconista, a fúria do manobrista. Um novo ano virá e, com ele, os planos a realizar: pintar a casa, trocar o carro, mudar de bairro, voltar a estudar, emagrecer, perdoar, viajar, parar de fumar, mandar o chefe praquele lugar. E em doses cavalares beijar, amar, trepar com urro, a pele amaciar e o peito destravar.
Vésperas do Natal, noite alta, corpo esparramado no sofá, o pé com bolhas após um dia de compras, toca o celular. Do outro lado, uma voz velha conhecida mas há muito distante. E aí, como vai? Viva o Orkut, finalmente nos achamos de novo. E as palavras jorram, se atropelam e se enovelam. Tanto pra falar, tantos acontecimentos desde então. Saudade braba, ninguém disfarça. Coração agalopado, o pensamento voa veloz rumo a um tempo sem tempo, um parêntesis blindando uma história guardada no arquivo das lembranças eternas. Impossível não delirar e desejar lá no fundo: será que agora vai ser diferente?
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Coração agalopado
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
A incrível arte de Mister Nose
Sei que sou um anormal. Um desclassificado. Afinal, como nomear alguém cujo prazer maior vem de um sentido exacerbado: o do olfato. Não tenho claro como isso começou, mas guardo a imagem de, muito pequeno ainda, me enfiar por debaixo da mesa para espiar entre as pernas da tia Izaura. Mas não era a visão daquelas canelas finas cobertas por meias grossas presas às coxas por um elástico rendado, nem o pedaço de carne muito branca e macia que se estendia até a virilha, e sim o cheiro que dela se desprendia que me deixava literalmente aturdido.
Esse prazer secreto nunca parou. Nas brincadeiras de infância, adorava o pega-pega com as meninas só para, no fim, sentir o aroma molhado de seus cabelos e pele. Já no ginásio, dava sempre jeito de ficar na porta do vestiário vendo-as entrar pingando após o jogo de vôlei. E assim fui crescendo, sentindo essa estranha atração por cheiro de mulher, mas com receio de parecer bizarro, nunca pude falar disso com ninguém.
Já adolescente, notei que beijos e amassos só me excitavam realmente se trouxessem algo mais. E então sofistiquei o método: passei a aparecer sem aviso, bem quando a namorada ajudava a mãe na faxina da casa. Com alguma lábia dava um jeito de levá-la até um canto mais escondido e, mesmo à luz do dia, prensava-a na parede num abraço intenso e desajeitado, enfiando o nariz na axila e a mão curiosa por dentro da sua calcinha e a bolinava um pouco. Envergonhada por ter sido surpreendida tão desarrumada, assustada com a abordagem, excitada e, ao mesmo tempo temerosa da mãe nos flagrar, a garota acabava transpirando e umedecendo a xoxota mais ainda, o que para mim era um verdadeiro delírio. Quase explodindo de desejo, eu saía de lá voando para o meu quarto, onde ficava cheirando minha mão por horas, enquanto me masturbava repetidamente até quase desfalecer.
Tive muitas namoradas, e elas nunca entenderam como à noite, quando se arrumavam para sairmos, eu não parecia tão atraído. De todas, a que gostei mais foi Madalena, cujo aroma delicioso recendia a bicho. Já quase terminando a faculdade, e apaixonado, tentei me abrir, explicando o quanto gostava de seu cheiro natural, mas Madalena relutava. Acreditei que cederia um dia, chegamos a nos casar, mas ela nunca me compreendeu. Com o tempo, foi ficando mais e mais incomodada com meus estranhos pedidos, e cheia de pudores, passou a me rejeitar chamando-me de tarado.
O casamento durou pouco, é óbvio. Desde então, aprimorei o fetiche, o olfato e as escolhas. Aceitei que não posso prescindir do cheiro intenso de uma fêmea, e por isso faço o que for para conseguir parceiras, até a submissão se for preciso. Inscrevi-me num clube de sadomasoquistas e por lá tenho encontrado algumas mulheres bem interessantes que aceitam fazer sexo nas minhas condições: que não tomem banho, não usem perfume, sequer desodorante, não se depilem e nem troquem de calcinha 24 horas antes do nosso encontro. Uma vez no ato, elas logo percebem que eu literalmente perco qualquer traço de razão quando enfio o rosto numa boceta peluda e suada, transformando-me num animal dócil, absolutamente servil. Em troca, aceito tapas, ordens o que for. E as trato tal como divindades, dando-lhes com meu pau, boca, língua e dedos o prazer máximo, até que me peçam para parar de tão satisfeitas. É quase como que amor.
Infelizmente, ainda não consegui unir esse prazer específico com um relacionamento afetivo e duradouro. Mas ainda tenho fé de encontrar minha alma gêmea. Contudo ela terá que vir naturalmente. Afinal, não posso sair por aí perguntando àquelas que me atraem: você gostaria de se mostrar mulher de verdade?
(*) A arte acima é do alemão Rudi Hurzlmeier, de 2007, e faz parte do acervo do Museu de Caricaturas Eróticas de Viena, na Áustria
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Meme dos 8 amigos e 8 desejos
1ª parte: fazer uma lista de 8 desejos. Então, como não custa sonhar, vamos lá:
1º) Conquistar cada vez mais leitores, publicar meu primeiro livro e um dia poder viver da literatura que produzo;
2º) Fazer aquela tão sonhada viagem à África e conhecer, sobretudo, Angola e Cabo Verde, poder ficar um bom tempo por lá podendo trocar experiências e fazer amigos;
3º) Estudar espanhol, rever o francês e atualizar o inglês;
4º) Conseguir um apartamento onde possa escrever com vista para o mar;
5º) Continuar arrumando tempo para as melhores coisas da vida que são os amigos, os filhos e os sonhos;
6º) Ter o privilégio de envelhecer com sabedoria, bom humor e saúde;
7º) Acabar com a hipocrisia no mundo (quem sabe alguém invente um spray que revele quando a pessoa estiver sendo hipócrita, deixando-a azul);
8º) Que surja uma vacina que acabe de vez com a celulite.
2ª parte: convidar oito blogueiros para continuar a brincadeira, comunicando-os do convite via posts em seus blogs. São eles:
- Marco Pacheco, do Blog do Pacheco
- Compulsão Diária, do Compulsão Diária
- Claudia Finamore, do Desabafos & Reflexões
- Bruno Cobbi, do Aprendiz de Escritor
- Karen Cunha, do Clube do Tédio
- Julio Carvalho, do Deletrando
- Rafael Cury, do Eu Comigo Mesmo
- Érika Riedel, do Terceiro Sinal
Não vejo a hora de receber aqui os comentários dos meus convidados aceitando a brincadeira.
3ª parte: Comentar no blog que me convidou (já comentei), e orientar os convidados a publicarem o selinho da brincadeira, que está aqui no alto.
Foi muito difícil escolher só 8 amigos blogueiros, mas busquei variar os estilos e até ampliar o número de cidades. Mais difícil ainda foi selecionar só 8 desejos. Mas procurei conter minha gula, afinal desejos são perigosos. Eles podem se concretizar.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Crônica da vida útil
É curioso como a vida se dá em camadas e sempre nos surpreende. A frase pode parecer banal, mas o comentário é legitimo para todos aqueles que se dispuserem a prestar atenção em Dona Branca. Ela mudou-se há pouco para o prédio em que moro, e circula pelo bairro sempre elegante, perfume lembrando rosas, cabelos bem cortados e tingidos de louro escuro, vez por outra conduzindo Nicolas, seu cão salsicha. Já cruzei com ela na ioga, no cinema, rodeada de amigos em restaurantes, ou voltando da feira com braçadas de alegres flores do campo.
Dá gosto observá-la. Dona Branca certamente já ultrapassou os setenta, o que não a fez em nada perder a energia. Nas reuniões de condomínio é a mais articulada, com aquele timbre enfático de quem parece ter sido professora, ou talvez advogada. Simpática, porém discreta, dela sabemos pouco, exceto que recebe muitas visitas. Talvez os taxistas do ponto vizinho sejam melhor informados, uma vez que ela é assídua cliente deles.
Dia destes tomei conhecimento de outra senhorinha que está dando o que falar. Trata-se da professora aposentada Jane Juska que, perto de contabilizar três décadas de jejum sexual, cansada de procurar parceiros em festas e bares em vão, resolveu trocar de estratégia, e publicou o seguinte anúncio num jornal de literatura de Nova York: “Antes de completar 67 anos eu gostaria de fazer muito sexo com um homem de quem eu goste”.
Divorciada e com filho maduro, ela imaginava que teria, no máximo dois ou três retornos. Mas sua caixa postal recebeu 63 respostas. Frente a tanta fartura, Jane pôde até se dar ao luxo de escolher. Marcou encontros com vários pretendentes, e conta que, com quatro deles, fez sexo de verdade. Detalhe: os rapazes variavam dos 32 aos 82 anos. A experiência foi tão bem sucedida que ela, fortalecida, partiu para outro ato de coragem ao publicar o livro Uma Mulher de Vida Airada – Memórias de Amor e Sexo depois dos 60 (Editora Rocco), que chega ao Brasil nesta semana.
Sua justificativa: “A maioria das pessoas de idade, em especial as mulheres, têm medo de correr riscos. Preferi agir a esperar que alguma coisa acontecesse”. Tanta ousadia mudou a vida dessa mulher que hoje está com 75 anos, conquistou um namorado e teve seu livro publicado em vários países.
Ao ler esta notícia, não tive como não pensar na Dona Branca. E ri bastante quando compreendi, finalmente, aquela olhadinha discreta que ela deu, dia destes, no meio das pernas do meu namorado, seguido de um semi-sorriso que eu podia jurar que era safado. Afinal, tenho agora a real dimensão do quanto extensa pode ser a vida útil de uma mulher. Jane e Branca podem, orgulhosas, provar ao mundo que fantasia não tem idade.
(*) A matéria inteira sobre Jane Juska e seu livro está na revista Época on line