domingo, 4 de maio de 2008

Largado

Ela bate a porta sem olhar para trás, deixando o rastro de seu perfume amadeirado, forte como ela. Parece que tem medo de mudar de idéia e voltar. Ou, se como naquela lenda, ao olhar pra trás ela pudesse ser transformada em estátua de sal, condenada a eternizar aquele momento ad infinitum.

Fico aqui, nu, sem vontade de sair da cama, e como sempre desorientado. Toda vez, depois de amar essa mulher, me sinto eu próprio condenado a esse estranho e aflitivo sentimento sobre o qual não tenho o menor controle. Longe dela sinto falta, me revolto, insulto a mim próprio, tento negar, fugir dessa estranha relação, mas não tem jeito: acabo cedendo, rendido de saudade e fome, e uma vez perto, viro seu brinquedo, totalmente à mercê desse encanto.

Foi numa festa que tudo começou. Eu entre amigos conversando à toa, feliz com minha vidinha: o trabalho, o curso de pós graduação, e a namorada que administrava muito bem, de forma leve e tranqüila. Até passar aquela mulher, ar vago, sem olhar nem para mim, nem para ninguém. Não que fosse excessivamente bonita, mas era alta, vestia-se de forma despretenciosa mas muito pessoal, cabelos fartos caindo em cachos pelos ombros, olhos enormes, escuros e ovalados, chamava a atenção. Como que pairando sobre o ambiente, ela foi direto à mesa de frios. E, nesta época onde tantos e tantas se preocupam com dietas, dava gosto ver como comia. Experimentava de tudo, saboreando cada coisa. Estava entretida nesse jogo de paladar, quando não me contive, cheguei perto, e baixinho, soltei perto de seu ouvido um tudo bem Magali? Ela entendeu a alusão à personagem comilona dos quadrinhos, sorriu meio envergonhada me olhando nos olhos, e aquele olhar foi definitivo. Caí direitinho. Logo voltei para os meus amigos, perdi de vista a morena, mas não a esqueci. Antes de partir, fiz questão de dar uma volta pela festa e não sosseguei enquanto não a encontrei. Ela estava conversando com um grupo de pessoas e, sem saber se estava ou não acompanhada, estendi-lhe o meu cartão, dizendo apenas me liga para falarmos daquele projeto.

Não deu outra. Dia seguinte, final do expediente, toca o meu telefone direto. Oi, tudo bom? Aqui é a Magali. Queria falar sobre o projeto, é possível? Pode ser amanhã, 16 horas, no Café Piazzito? Conhece o lugar? Feliz com a ligação, concordei na hora. E lá fui eu, com minha melhor camisa encontrá-la. Pouco falamos durante o café, sequer nos beijamos, mas nos bolinamos bastante. Em meia hora, no máximo, atravessávamos a rua rumo ao hotelzinho, desses de bairro, que havia bem na frente do Piazzito. Mal saímos do elevador, em busca do apartamento, já fomos nos roçando. Mais parecia coisa de bicho. Uma vez fechada a porta, veio um beijo tão urgente e tão faminto que nos atordoou. E foi assim que nos arrancamos as roupas, nos esfregamos, e nos consumimos ávidos um pelo outro. E ela chorou, gemendo baixo na hora do gozo, totalmente entregue. Ficou quietinha assim, deitada nos meus braços, alguns minutos, o suficiente para eu me sentir o mais feliz dos homens.

Durou pouco esse estado de entrega pois logo ela estava se vestindo, dizendo que tinha pressa, e depois de roçar seu rosto pelo meu, respirar longamente no meu pescoço, como que querendo reter meu cheiro, ela me deu um longo beijo de adeus, e se foi, batendo a porta, me deixando completamente aturdido. Nunca tive prazer tão intenso em toda a vida. Que mulher era aquela?, eu me perguntava quando reuni forças para sair daquela cama, daquele quarto e daquele hotel barato.

Quinze dias depois, novo telefonema. Oi, aqui é a Magali. Quer se encontrar comigo amanhã a mesma hora, no mesmo lugar? Claro que eu quis, mesmo tendo que cancelar uma reunião com meu melhor cliente. E de novo o café foi rápido, e a transa demorada, intensa e animal. Mistura total de corpos e línguas, sedes e seivas. De novo ela chorou, e de novo me largou lá, feito brinquedo usado. Mas quem é essa mulher? Será casada? Da onde vem? Por que chora na hora do gozo?

Isso vem durando um ano. Não passa um mês sem que ela me acione, e eu sempre cedo, tanta falta ela me faz. Ando tão fixado nela que venho achando sem graça transar com a namorada, ando frio na relação, e ela, triste, até já ameaçou acabar com tudo. Meus sócios também têm reclamado das ausências sem explicação. Não consigo tirar a morena da cabeça, está virando obsessão. Já tentei impor outro horário, outro lugar, uma viagem, tentar descobrir seu nome, a placa do carro (se é que tem, pois sempre que chego ela já está sentada no café me esperando), mas nada. Ela liga sempre para o escritório, não tenho como localizar a chamada. Como quem não quer nada, cheguei até a perguntar ao dono daquela fatídica festa, amicíssimo da minha namorada, quem era aquela morena, mas ele disse desconhecer, acha que ela veio com algum amigo de amigo.

Até agora, ninguém sabe que vivo essa história e esse conflito. Essa mulher é o meu maior e melhor segredo. E também a minha tortura. Mas um dia ainda saio dessa, ou enlouqueço, dominado de vez.

4 comentários:

Pati Cytrynowicz disse...

Yes, a vingança feminina!

Ursulla Mackenzie disse...

Gostei do conflito, mostrou audácia!!!Parabéns!!!

Petê Rissatti disse...

Nossa, que mulher essa Magali. Deve ser prima da Zélia, quem sabe?

Beijones

Anônimo disse...

Ele viciou. Mulher vicia, entorpece, pode até destruir a vida do homem. O pior é que a gente ainda gosta...